Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
A realidade permite ser percebida das diversas perspectivas existentes (e até algumas inexistentes) sobre si, e de uma ordenação taxionômica que obedece não a um juízo de fato, mas a um juízo de valor. Mas como essa classificação é possível?
No fundo, o que os seres humanos costumamos fazer são medições do real a partir do envolvimento emocional consigo, seja do mais absoluto respeito e acatamento, seja pelo signo do ódio e da destruição, e então pautarmos o nosso comportamento.
Vou dar um exemplo simples. Exceto em casos de fanatismo religioso ou de adoração ao macabro, ninguém acha que cortar o pescoço de uma criança seja coisa aceitável. Essa percepção não decorre da leitura do Código Penal que, efetivamente, proíbe tal conduta. O que acontece é o oposto. Há algo muito mais profundo dentro de nós, a que costumamos chamar de alma ou espírito, que desperta para aquilo que nos parece enormemente errado e merecedor de reação violenta e ritualizada. Assim como existe algo de enormemente errado quando as pessoas passam a se acostumar com esse tipo de coisa sem dele discordar sem um mínimo de irresignação.
Ando pela rua e vejo um atropelamento de uma pessoa totalmente desconhecida. Esta, portanto, nada me diz e se sua morte fosse anunciada no jornal não provocaria nenhum sentimento passional; afinal, indivíduos morrem todos os dias e a vida segue normalmente para os que sobrevivem. Mas aquela pessoa não é um nome de papel em uma nota de falecimento. Ela está agonizando na minha frente, sangrando profusamente pelo nariz e ouvidos, respirando com dificuldade, tentando dar recados desconexos antes que seja tarde demais.
A cena choca, entristece, desespera. Reclama uma atitude contrária ao embotamento, e superior ao nojo que causará o sangue do atropelado no banco do meu carro, se eu resolver levá-lo ao pronto-socorro para que a vida lhe seja poupada.
Eu sei que não parece, mas com o direito se passa a mesma coisa, conforme explicarei oportunamente.
Jornal de Brasília