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Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça

Sabe-se que Rui Barbosa tinha uma biblioteca com 35 mil volumes. A de José Mindlin dispõe de cerca de 30 mil. Moreira Alves, 26 mil. J. G. Merquior possuía uma coleção bem mais modesta, de 8 mil exemplares. Mas você já fez as contas de quantos livros dá para se ler em uma vida? Digamos que uma vida literária esteja situada entre sete e 90 anos. Mas vou tomar uma faixa etária mais madura, cujo início arbitro em 20 anos, e mais real, de até 70; 50 anos de leitura, portanto: bastante tempo.

Se o sujeito conseguir devorar três livros por semana, todas as semanas dos 50 anos resultarão no consumo de 7.800 livros. Mas repare que estamos cá falando de uma média absolutamente estonteante de um livro novo dia sim dia não, durante meio século ininterruptamente, o que fará do nosso personagem fictício um leitor compulsivo, com muito tempo disponível só para isso, e de uma dedicação assombrosa. Acode-me a expressão de Machado de Assis: "um modo de roer o roído".

AUnesco define um livro como uma publicação impressa não periódica de pelo menos 49 páginas, mas a imensa maioria dos livros tem muito mais do que isso; alguns são enormes, de vários tomos, outros não são tão extensos, mas de difícil leitura, e outros mais o sujeito gostaria de reler, mas não entram na estatística.

Se baixarmos a média para dois livros por semana, o número cai para 5.200; um único semanal faz despencar as contas para 2.600 – percentagem mínima (cerca de 7%) do gabinete particular da Águia de Haia. Mas um livro por semana não é pouco. Precisamos levar em consideração que as pessoas viajam, ficam doentes, têm problemas pessoais ou simplesmente querem fazer outras coisas, o que leva a compensação da média de leitura efetiva para outros momentos. Isso sem falar na consulta a outros veículos, como jornais, revistas e internet (o número de e-mails que recebemos é, também, um inferno). E, afinal, estou considerando que "ler" um livro é fazê-lo de cabo a rabo; um ou dois capítulos não me bastam.

O que se passa na esfera pública é a mesma ilusão (que Ortega chamava de "inflação cultural"): surge uma quantidade frenética de assuntos, que não se permitem acompanhar pela mesma efetividade e muito menos por uma qualidade correspondente.

Entre os anos de 1999 e 2007, tramitaram em ambas as casas do Congresso Nacional mais de 8 mil projetos de lei, dos quais 1.300 foram aprovados, com ou sem veto. As matérias vão desde a inclusão de batida de palmas entre as saudações do Hino Nacional e a instituição do Dia Nacional do Imigrante Italiano, até emendas constitucionais importantes, como as que modificam os sistemas tributário e previdenciário, passando por quase todos os assuntos imagináveis.

No âmbito do Judiciário não é diferente. O Supremo Tribunal Federal recebeu, nos anos 1940, 27 mil processos, dos quais julgou 23 mil; na década de 1970, os processos recebidos já eram 72 mil, e julgados, 78 mil; nos anos 1990, os números são 326 mil e 311 mil; de 2000 a 2007, 878 mil entraram na Suprema Corte, e 850 mil foram julgados. Esses dados, cuja atualização é de responsabilidade da simpática estudante Izabela Vilas Boas, foram arredondados para maior fluência da leitura.

Por sua vez, os administradores públicos não têm condições de se inteirar sobre todos os assuntos de sua competência, senão superficialmente e por delegação; de regulamentar todas as leis; de comparecer a todas as solenidades, entregas de títulos e jantares; nem sequer dispõem de tempo para sair de seus alcázares e conversar com o vulgo, e quando o fazem, levam consigo uma corte de assessores, seguranças e jornalistas.

No Brasil, o Executivo tem sobrevivido de medidas provisórias reiteradas ad nauseam; o Legislativo, de comissões de investigação sobre tudo, e de que quase nada dá ensejo ao fazimento ou desfazimento de leis, que é sua razão maior de ser; e o Judiciário, de medidas liminares e antecipações de tutela que são a todo o instante concedidas e cassadas, quando não, em outro extremo, de processos intermináveis, e mandados de prisão e precatórios nunca cumpridos pela polícia e pela administração pública. Eis ritmo da Justiça, estranho e imprevisível, ao mesmo tempo rápido e lento demais.

Jornal de Brasília

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