Seu navegador nao suporta javascript, mas isso nao afetara sua navegacao nesta pagina MPDFT - "Ofensa" à dignidade X Risco da impunidade

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Luciana Asper y Valdés e Dicken William Lemes Silva
 Promotores de Justiça do MPDFT

A Constituição Federal dispõe que a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, a privação ou restrição da liberdade; a perda de bens; multa; prestação social alternativa; suspensão ou interdição de direitos. Proíbe, no entanto, as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento ou cruéis. Assim, fora estas, observada a proporcionalidade entre o bem jurídico protegido e o prejuízo suportado pelo infrator, a sanção fixada por meio do devido processo legislativo é constitucional e atende à dignidade humana. É este o juízo de proporcionalidade que garante a constitucionalidade de uma restrição imposta a um infrator, inclusive quando se trata de regime disciplinar administrativo.

A Lei Complementar 75/93 prevê que os membros do Ministério Público da União podem sofrer as seguintes sanções disciplinares: advertência, censura, suspensão, demissão e cassação de aposentadoria ou de disponibilidade. Mas, na hipótese de inobservância das vedações impostas pela própria LC 75, exige o legislador a aplicação de uma única sanção disciplinar, que é a suspensão, com prazo entre 45 e 90 dias. Assim, o membro do MPU, ao deixar de observar as vedações de seu estatuto, tem consciência de que, após o devido processo legal, será suspenso e perderá, não só seus vencimentos, mas as demais vantagens pecuniárias enquanto perdurar a suspensão. Aqui não resta ao órgão disciplinador, sujeito ao princípio da legalidade administrativa, sanção ou conseqüência disciplinar diversa daquela determinada pela LC.

Mesmo neste raríssimo caso - em que o infrator conhece antecipadamente a exata proporção e conseqüência de seus atos, em razão da única possibilidade legal - pode surgir a alegação, na imposição da perda dos vencimentos, de que sua dignidade restaria ferida por ter que viver durante o período da "suspensão" sem as vantagens pecuniárias do cargo. Para aceitarmos esta tese, no entanto, teríamos que estar prontos para admitir a mesma alegação de ofensa à dignidade humana por todo aquele que sofre qualquer tipo de sanção. Ou será que, sob a ótica de qualquer apenado, a sanção por ele sofrida não esbarra na dignidade humana? Será que o condenado pelo crime de homicídio à pena de reclusão por 20 anos, que se vê privado da liberdade, não julga estar ferido em sua dignidade? Será que o servidor corrupto que sofre a perda do cargo público não entende que ele e sua família, que perdeu o provedor estável, também foram atingidos em sua dignidade humana? E a dondoca que, ao cumprir uma prestação alternativa, se vê obrigada a lavar banheiros de um hospital por vários meses; será que não irá se sentir, também ela, maculada em sua dignidade humana? Os exemplos são para ilustrar que, sob a ótica de quem recebe a sanção penal ou disciplinar, sempre caberá a alegação de "ofensa à dignidade humana". Este fato, porém, não pode afastar a necessidade de se reafirmar a existência de uma ordem legal vigente que, com razoabilidade, realiza a proteção do bem jurídico por meio da imposição de uma restrição ao infrator da ordem jurídica.

Na hipótese da sanção disciplinar de suspensão, o crivo da proporcionalidade foi atendido pelo legislador e, assim, a constitucionalidade e a dignidade humana. A conseqüência legal decorrente da pena de suspensão mostra-se adequada ao objetivo pretendido pelo legislador, que é o de reafirmar a própria existência da disciplina funcional, do dever de observância às obrigações e às vedações por parte do agente público e, especialmente, aos princípios constitucionais da legalidade e da moralidade administrativa. A perda dos vencimentos é necessária, pois é o meio menos gravoso para a efetivação da disciplina. Qualquer percepção de vencimentos pelo servidor suspenso, além de revelar flagrante enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário, transmuda a sanção em prêmio, em férias remuneradas. E há justa medida na previsão legal, pois é a única intervenção possível ao infrator capaz de realizar o objetivo de garantir a existência de um sistema disciplinar com efetividade.

Jornal de Brasília

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