Cleonice Maria Resende Varalda e Marisa Isar dos Santos Machado
Muito se tem discutido sobre o tema da criminalidade infanto-juvenil e sobre as formas de sua contenção, apontando-se como solução, ora posturas mais repressivas do Estado, ora a própria redução da idade penal, como se estas tivessem o condão de fazer desaparecer instantaneamente tal fenômeno social. Qualquer discussão sobre o assunto, antes de reclamar por ações estatais mais repressivas, necessita de reflexão acerca do que já se avançou em termos de implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), seja pela sociedade civil, seja pelo Executivo, seja pelo sistema de justiça da infância e juventude.
No que diz respeito ao Poder Público, é preciso que se exija o cumprimento do princípio constitucional da prioridade absoluta, que estabelece ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, seus direitos fundamentais, colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
É preciso também fazer uma análise crítica sobre atuação dos operadores do direito nesta área, em especial o Poder Judiciário e o Ministério Público. Os operadores do direito também são responsáveis por uma modificação da realidade em que vive a maioria das crianças e adolescentes brasileiros, credores de uma dívida social que se origina muito antes do nascimento de seus próprios pais. É que o quadro que se coloca ao longo de décadas é a ineficiência do Poder Público em formular políticas públicas que garantam melhores condições de saúde, educação, moradia e profissionalização.
Quanto à atividade fim, é necessário que se abandone o dogma de que ao determinar ao Executivo que cumpra com suas obrigações legais de efetivar políticas públicas não está o magistrado a superdimensionar sua função jurisdicional nem a se imiscuir nas funções dos outros poderes, como se tem sustentado em algumas decisões judiciais que deixam de dar ao princípio da separação dos poderes uma interpretação mais atual e mais afinada com a realidade.
Na verdade, quando o Poder Judiciário é provocado para analisar a possibilidade de ter havido algum erro dos agentes públicos, seja por ação ou omissão, está apenas colaborando para a real identificação do interesse público, que é o fim único a ser perseguido por todos os Poderes.
Em atenção ao princípio constitucional da prioridade absoluta, a questão da descentralização da Vara da Infância e Juventude no Distrito Federal deve anteceder qualquer outra ação. Com esta medida, é desnecessário dizer, estar-se-ia aproximando essa Justiça Especializada de quem dela efetivamente precisa, contribuindo para o efetivo acesso à Justiça.
É que a atual Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal, centralizada em região nobre de Brasília, pouco atende à própria comunidade que ali reside, mas sim à grande população das regiões administrativas mais desfavorecidas do DF e onde há maior índice de criminalidade infanto-juvenil.
Outra mudança, após a criação de novas Varas da Infância e Juventude, seria a especialização dessas, a exemplo do que vem ocorrendo no âmbito das Promotorias de Defesa da Infância e Juventude, que promoveu sua reestruturação no sentido de especializar suas promotorias conferindo-lhes atribuições específicas nas áreas cíveis, infracionais e de execução de medidas socioeducativas.
É mister também um estudo sobre a demanda/necessidade de criação/extinção das Promotorias de Justiça do MPDFT, tendo como diretriz o princípio da prioridade absoluta e as inúmeras atribuições da Promotoria de Defesa da Infância e Juventude (PDIJ -atividade processual, atendimento ao público, fiscalização de entidades governamentais e não governamentais e Conselhos: Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente e Conselhos Tutelares e grande demanda de ações na área de direitos coletivos e difusos da Criança e Adolescente).
Lembremos, por fim, da advertência de Alice Miller, de que “fatalmente crianças espancadas espancarão, as humilhadas humilharão, e em que mataram a interioridade, essas matarão, pois por trás de cada crime esconde-se uma tragédia pessoal” (in Por tu Proprio bien, Barcelona, Tusquets, 1985).
Jornal de Brasília