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 Paulo José Leite Farias
Promotor de Justiça do MPDFT

Aquecimento global é o tema do dia. Este ano, a reunião do Fórum Econômico Mundial registrou um número recorde de sessões e sessões de trabalho sobre alterações climáticas. Em Davos, Al Gore, Prêmio Nobel da Paz, disse que só mudar lâmpadas velhas por lâmpadas novas mais eficientes não é o suficiente para resolver a questão das mudanças climáticas. Entretanto, além da discussão sobre a influência humana no clima por meio da queima de combustíveis fósseis e da eficiência com que usamos a energia disponível, nós deveríamos estar discutindo o dramático efeito da forma de construir cidades sobre a temperatura local.

A maneira como construímos as cidades aumentam ou diminuem as condições climáticas de uma determinada região climática (micro clima). A presença do Lago Paranoá, obra artificial, por exemplo, visa melhorar a secura do macro clima que caracteriza a região central do planalto central. Nesse aspecto, as genialidades de Oscar Niemeyer e de Lúcio Costa conceberam na capital da República dois paradigmas arquitetônicos que, hoje, revelam-se preciosos para a questão climática da capital, a saber: a escala bucólica e os pilotis dos blocos.

A primeira busca harmônica entre o espaço construído e o espaço natural; a segunda a dar ensejo à circulação de pessoas dentro da quadra, permitindo o acesso ao comércio local por dentro da quadra, independente do bloco que a pessoa reside. Ambas, atualmente, facilitam a vida na selva de pedra candanga. A construção de uma cidade ventilada passa pela proporção existente entre os espaços verdes e os espaços construídos. Brasília expressa, por meio da escala bucólica, essa proporção.

Não há melhor ar condicionado que a sombra de uma copa de árvore! Não se desperdiça energia elétrica, não se produzem gases do efeito estufa e não se atacam os brônquios! As barreiras arquitetônicas, assim como as condições topográficas, podem criar áreas isoladas de ventilação. No Plano Piloto, o homem constrói paredes de concreto em casas, edifícios e muros que dificultam o livre circular do vento. Os pilotis vazados no projeto arquitetônico da cidade, além de garantir a circulação de todos, facilitam a circulação do vento. É marcante a experiência de descer aos pilotis dos prédios e usufruir das rajadas de ventos canalizadas por eles.

Entretanto, o egoísmo dos blocos de ocupação do espaço público urbano vem afrontando essas conquistas incorporadas ao patrimônio cultural nacional e internacional. Cada vez mais são construídos salões de festas e garagens nos pilotis dos blocos das superquadras. Fecham-se as passagens eólicas que garantem microclimas mais amenos. Do mesmo modo, cada vez mais a escala bucólica é vilipendiada no Plano Piloto e nas suas proximidades.

No Plano Piloto, em especial na Asa Sul, há a eterna discussão sobre a privatização das áreas contíguas aos blocos comerciais (os puxadinhos) que aos poucos vão impermeabilizando o solo e bloqueando a circulação das pessoas e dos ares renovadores. Ao lado da ação punitiva, a Promotoria de Defesa Urbanística desenvolve ações educativas para conscientização da população. Ninguém quer dar um tiro no próprio pé!

Águas Claras foi a primeira (e espera-se a última) cidade do Distrito Federal a ter arranha-céus. O governador Joaquim Roriz assinou decreto que regulamentou a alteração dos gabaritos em Águas Claras. Os prédios, que antes não podiam ultrapassar 12 pavimentos, puderam chegar a 20 andares. Essa escolha urbanística, além de aumentar o adensamento em quase 50%, criou fornos urbanos densos, com escassas áreas verdes. Conceitos como a pegada ecológica, índice inversamente proporcional à sustentabilidade, e a arquitetura ecológica, ciência que busca integrar o verde no traçado urbano, foram construídos para lembrar que o clima, também, é fruto da opção urbana da cidade em que vivemos. Planejar o urbano é lembrar dos espaços vazios que garantem as funções urbanísticas de circulação e lazer em um clima agradável. Pensar no aquecimento (g)local, em Brasília, é pensar na preservação dos modelos arquitetônicos que refrigeram a nossa cidade, tornando-a um local agradável para enfrentar os dias mais quentes presentes e futuros.

Jornal de Brasília

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