Seu navegador nao suporta javascript, mas isso nao afetara sua navegacao nesta pagina MPDFT - A natureza jurídica da infecção urinária

MPDFT

Menu
<

Ivaldo Lemos Júnior
Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios


Tzvetan Todorov é um intelectual de origem búlgara radicado há muitos anos na França, onde se tornou um nacional. Foragido do totalitarismo comunista do país natal, Todorov considera-se o habitante de "um espaço singular, ao mesmo tempo por fora e por dentro": "Estrangeiro em sua casa, em Sófia, e no estrangeiro em Paris".

O fenômeno da transculturação não é de modo algum inédito com Todorov. Há vários outros bons exemplos, até mesmo a título involuntário, como o de Helena Valero, menina que vivia na fronteira entre Brasil e Venezuela, foi abduzida nos anos 1930 por ianomâmis, com os quais viveu por mais de 20 anos, e teve 2 maridos e 4 filhos. O caso de Helena é considerado excepcionalíssimo, porque ela era, ao mesmo tempo e com a mesma profundidade estatutária, uma brasileira e uma indígena.

Confesso que o relato da vida de Helena, feito por Ettore Biocca em "Ianoáma", é decepcionante; eu ansiava ler o livro desde que dele ouvi falar, mas seu conteúdo é tedioso e de um tom bisonho. Fico com o mais fecundo "O homem desenraizado", de Todorov, o Promotor de Justiça do "crime totalitário".

Ali, o autor exorta algo de importante: a "sociedade comunista priva o indivíduo de suas responsabilidades: são sempre 'eles' que decidem". Pois esse totalitário eles-que-decidem pouco difere das democracias, já que em ambos os regimes existe um mundo competitivo que atiça as ambições pessoais. É muito possível se partir de baixo e se alcançar o patamar do poder supremo. Podemos ser massa e podemos ser os inimigos da nomenklatura. Podemos ser dedos-duros e podemos abrir mão de privilégios. Podemos amar a servidão e podemos ser heróis da resistência.

Ortega y Gasset era outro que conhecia bem a agitação que vibra na turba colegial quando o professor se ausenta da sala. A experiência da liberdade do jugo das normas é a sensação deliciosa de ser o dono do próprio destino. Mas a eliminação da regra conduz ao paradoxo de afrouxar a ocupação formal e a tarefa com sentido, de tal modo que o resultado final não é mais proveitoso do que a execução patética de cambalhotas.

É justamente o sentimento de autoridade sincera e dedicada que engendra artificialmente, senão astuciosamente, o discurso de percepção da norma jurídica, qual uma figura paterna, ou uma norma moral pura cuja exigência de acatamento é totalmente desinteressada - como o pai que ama o filho sem lhe impor condições, sem lhe exigir nada em troca. Um ministro da Suprema Corte americana qualificava essa demanda psicológica de "ressaca juvenil", que é o berço do bebê de Rosemary do que um dia iríamos chamar de "moralidade administrativa".
Essa ressaca explica a popularidade dos regimes autoritários; afinal, pergunta Todorov, "não sonhamos muito secretamente, em alguns momentos, em voltar a ser crianças, deixando para os pais a preocupação de tomar as decisões?". O tópos do político é o festival das cambalhotas, e mais, dos gritos, confrontamentos, quebra-quebras.

Penso em tudo isso ao ler um aviso do Ministério da Saúde à beira de um mictório, perguntando se sinto dor ao urinar, o que pode ser sintoma de doença venérea. "Use sempre camisinha" é o que me aconselham, para o bem do meu corpo e justificação de minhas posições morais. No Carnaval, essa política se acentua, distribuindo-se a quem quiser preservativos, de graça, e já há um coquetel anti-Aids e pílula do dia seguinte para os mais afobados. A "saúde pública" subordina as decisões pessoais, cuja responsabilidade não é minha, mas "deles". Isso é muito mais do que transcultura: é descultura, é "tumbarse a la bartola", como dizem os espanhóis. É a unção da inimputabilidade: "Usar camisinha é nunca ter que pedir perdão" (Millôr).

Finalizo com o raciocínio de um anônimo, que li na internet: "Vai transar? O governo dá camisinha. Já transou? O governo dá pílula. Engravidou? O governo dá o aborto. Teve filho? O governo dá o Bolsa Família. Tá desempregado? O governo dá Bolsa Desemprego. Vai prestar vestibular? O governo dá o Bolsa Cota. Não tem terra? O governo dá o Bolsa Invasão e ainda te aposenta. É um circulo vicioso manejando a manada. Eeeh..oh..oh.. vida de gado... povo marcado... povo feliz".

.: voltar :.