Seu navegador nao suporta javascript, mas isso nao afetara sua navegacao nesta pagina MPDFT - Sanção disciplinar e perda de vencimentos

MPDFT

Menu
<

 Carlos Alberto Cantarutti
Promotor de Justiça e presidente da Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

O Dr. W. Y. Z., casado, pai de três filhos, é membro de um dos ramos do Ministério Público da União (MPU). Após regular processo administrativo disciplinar, foi punido com a sanção de suspensão, pelo prazo de 90 dias e, durante esse prazo, perderá totalmente seus vencimentos e as vantagens pecuniárias inerentes ao exercício do cargo, vedada a conversão em multa. A punição lastreou-se no inciso IV e no §1º do art. 240, da Lei Complementar 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do MPU.

Neste caso hipotético, e em outros analisados, a norma punitiva tem sido objeto de interpretação literal pelas autoridades administrativas, gerando situações dramáticas para o processado. Dependendo de cada caso, a pena aplicada ultrapassa a pessoa do acusado no processo administrativo disciplinar, implicando em incomensurável gravame também para os seus dependentes.

A mencionada norma, evidentemente restritiva de direitos, deve ser cotejada com os mandamentos constitucionais, em especial com os princípios e os direitos fundamentais, aos quais ela imperativamente deve satisfazer.

A Carta Política, em diversas passagens, sinaliza ao legislador e aos operadores do Direito, a necessária observação de determinados vetores indispensáveis para a solução do problema em análise, tais como: a dignidade da pessoa humana; a proibição da pena passar da pessoa do condenado; ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista em lei; a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado, etc.

Sabe-se que toda norma gravosa deverá observar limites mínimos de razoabilidade para legitimar sua eficácia.

Assim, Canotilho, em sua festejada obra "Direito Constitucional e Teoria da Constituição", ao tratar do regime das leis restritivas, insere nesse contexto o princípio da proibição do excesso, "densificador do Estado de direito democrático e significa, no âmbito específico das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, que qualquer limitação, feita por lei ou com base na lei, deve ser adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (com justa medida)". Prossegue: "O princípio da proporcionalidade em sentido restrito ( = princípio da justa medida) significa que uma lei restritiva, mesmo adequada e necessária, pode ser inconstitucional, quando adote cargas coactivas de direitos, liberdades e garantias desmedidas, desajustadas, excessivas ou desproporcionadas em relação aos resultados obtidos."

De fato, neste caso hipotético e em casos reais já encerrados, apesar da limitação imposta pela lei ser apropriada, necessária e em conformidade com o interesse público, as penas impostas não foram aplicadas na justa medida, ao ultrapassarem a pessoa do Dr. W., atingindo sua família, privando-a dos meios suficientes à manutenção de sua subsistência. Ademais, mesmo que o Dr. W. não possuísse nenhum dependente, a ele deveriam ser resguardados os recursos financeiros mínimos para suas necessidades vitais básicas.

Alexandre de Moraes leciona que a supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo poder público competente exigem que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal.

In casu, a melhor interpretação que se empresta à expressão “perda de vencimentos” é aquela que não impõe a privação total do “salário”, daí resultando que deve ser sempre parcial, avaliada sua gradação conforme as condições pessoais do sancionado, sendo maior ou menor conforme tenha dependentes legalmente incluídos como tal. Por ser inconstitucional, é proibitivo que corresponda a 100% dos vencimentos do servidor.

Por fim, no âmbito do MPU, compete ao procurador-geral da República, como chefe da Instituição, determinar que se cumpram os mandamentos constitucionais, por meio de adequada interpretação da lei, em completa sintonia com os valores republicanos próprios do Estado Democrático de Direito.

Jornal de Brasília

.: voltar :.