Rogerio Schietti M. Cruz
Procurador de Justiça do MPDFT
Nunca na história da humanidade houve tanta exploração da mediocridade. Quem o disse, há quase cem anos, com maestria ímpar, foi Jose Ingenieros, italiano de nascimento e que abraçou a Argentina como país do coração. Teve produção variada no campo da psiquiatria, da sociologia e da criminologia, mas, sem dúvida, seu mais célebre livro, O Homem Medíocre, obra atemporal, se notabilizou com uma autópsia das características da raça humana, composta, como ali dito, de raras mentes geniais e de multidões de "existências vegetativas".
Vivemos tempos de extremos, minguados de líderes que nos mostrem, não com discursos, mas com exemplos, o caminho da virtude. São tempos de massificação do conhecimento e da informação, de pasteurização das ideias, de relativização dos valores e de vulgarização das tragédias humanas.
A mediocridade no pensar e no agir é fortemente responsável por tudo isso. Como bem pontifica Ingenieros, o homem medíocre imita, não cria, pensa com a cabeça dos outros, prende-se a frivolidades; é efêmero, apegado a honrarias e escravo de "fórmulas paralisadas pela ferrugem do tempo". O homem medíocre é aquele incapaz de extasiar-se diante de um crepúsculo e de sonhar frente à aurora; repete, à exaustão, hábitos do passado, tornando-se presa fácil da rotina, esse "esqueleto fóssil cujas peças resistem à carcoma dos séculos". Os medíocres são prosaicos, desprovidos do espírito curioso do cientista ("a originalidade lhes produz calafrios"), da sensibilidade do artista e das ilusões do idealista; não têm afã algum de perfeição; sua ausência de idéias "os impede de pôr em seus atos o grão de sal que poetiza a vida". Se um deles, como ilustra o sábio portenho, passasse junto à torre inclinada de Pisa, dela se afastaria, temendo sua queda.
A renúncia a pensar, quando consciente, é uma boa maneira de não se equivocar, o que faz dos cérebros medíocres "casas de hospedagem desprovidas de donos". Resta-lhes uma vida insossa, plena de pré-juízos, avessa às confrontações da mente curiosa e às surpresas do desconhecido.
Essas características são facilmente identificadas nesse período de campanha eleitoral, onde candidatos procuram exibir, com superlativos, suas apregoadas virtudes e ocultar, com todo empenho, seus atributos negativos. Para um bem intencionado eleitor, assistir a um programa eleitoral, na TV ou no Rádio, é um exercício de paciência, de desprendimento e de compaixão, quando não de puro divertimento. Ali se vêem, disfarçadas sob uma aparente - em alguns, quiçá, até sincera - vontade de servir ao próximo, as retóricas direcionadas a iludir o eleitor, com discursos e argumentos que reproduzem o que se acredita sejam as carências mais prementes da população. Todos falam de mais segurança, de serviços de saúde e de transporte de boa qualidade, de educação para todos, de ofertas de trabalho, de obras viárias, de saneamento, de apoio à cultura, de respeito às minorias e de proteção aos aposentados, às crianças e aos portadores de deficiência. É um verdadeiro cardápio de palavras, com menu diversificado que, todavia, sempre inclui alguns desses ingredientes.
Passam as eleições, tomam posse os eleitos, frustram-se as expectativas, transferem-se responsabilidades e culpas ... e tudo se repete nas eleições seguintes, script que bem evidencia o quão deteriorada está, ou é, nossa política, cimentada no afago hipócrita aos carentes, na criativa oferta de favores ilícitos, ou simplesmente na encenação de gestos e sorrisos fáceis, tapinhas nas costas e qualquer tipo de aproximação que traduza uma relação afetiva eleitor-candidato.
Já sob a ótica do eleitor, é sintomático desse comportamento descompromissado com os destinos da polis o apoio a certas "causas" nada sérias, como a que "elegeu" um conhecido macaco carioca. Nestas eleições de 2010, não deveria então surpreende o enorme retorno eleitoral de um candidato que se tornou conhecido como comediante circense e cujo mote é, explicitamente, alardear que não sabe o que irá fazer no Congresso Nacional.
Ainda que se possa explicar tal comportamento como um protesto "cívico", o fato é que ele denota, no agir do eleitorado, o grau de mediocridade da política brasileira como um todo. Possivelmente, decorre ela de nossa pequena tradição democrática e do elevado grau de analfabetismo, tanto escolar quanto político, de nosso povo. Mas o que se poderia esperar de uma nação cujo interesse literário colocou, no topo da lista dos mais vendidos, o livro "Seu Creysson, Vídia i Óbria"? E olha que Jose Ingenieros nem se referiu ao Brasil quando filosofou sobre a mediocridade humana.
Correio Braziliense