Seu navegador nao suporta javascript, mas isso nao afetara sua navegacao nesta pagina MPDFT - Que história é essa de índios vagabundos?

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Ivaldo Lemos Júnior
Promotor de Justiça do MPDFT

Índio é a designação genérica dos habitantes das chamadas sociedades primitivas ou selvagens. O seu estereótipo é uma pessoa que vive em choupanas na selva, nada no rio, come mandioca, é beberrão e participa de rituais esotéricos, por vezes envolvendo o canibalismo, com pinturas espalhadas pelo corpo seminu. Os lusitanos da aurora do século XVI sintetizaram tudo isso na expressão "gente sem fé, sem lei e sem rei". Em uma de suas cartas à Coroa Espanhola, Cristóvão Colombo achou que "estas gentes são muito pacíficas e medrosas, nuas, sem armas e sem leis" ? mas ele não demorou muito para mudar de opinião.

Do ponto de vista da antropologia física, a designação de "índio" é bastante inconsistente. O que existe é o grupo dos mongolóides, que não é nem mesmo uma raça, e sim um conjunto de raças (ou "stock"), que abrange vários "breeds" com características em comum mas também com conspícuas distinções fenotípicas. Como se acredita que o homem americano tenha vindo dos velhos continentes pelo Estreito de Bering, houve um ponto de contato histórico e geográfico com os povos do extremo oriente e do ártico, de tal modo que o resultado genético nem sempre permite definir com facilidade se o sujeito faz mais o tipo "japonês", "índio" ou "esquimó". Exemplo: aquele jogador de futebol Rodrigo Tabata.

Também existem muitos estudos etnológicos, ou seja, de descrição que privilegia os hábitos e comportamento social ao invés dos sujeitos individualmente considerados em sua aparência corporal. Foi no conhecimento direto dessas comunidades que os índios mostraram o seu lado primitivo, e uma taxionomia muito aceita aponta para ausência de linguagem escrita e economia de subsistência como os denominadores comuns entre os silvícolas, mais do que a pele amarelada, os olhos puxados, o corpo glabro.

É verdade que a etnologia também mostrou índios completamente diferentes em numerosos quesitos culturais. Existem, portanto, índios e índios. Mas, no aspecto econômico, algo exsurgiu como uma constante entre tribos localizadas em um imenso espectro territorial, desde os caçadores australianos da Terra de Arnhem até os Yanomami da Amazônia venezuelana, passando pelos Bochiman do deserto do Kalahari e os Guayaki do Chaco paraguaio, como também entre os agricultores sedentários, ameríndios e africanos em geral, na Melanésia, no Vietnã. Estou falando de uma jornada de trabalho reduzidíssima, às vezes de 1 ou 2 horas por dias, às vezes de 2 meses a cada 4 anos. Ainda assim, a faina não competia à unanimidade da população, e era com freqüência interrompida para repousos e festas.

Se a economia tribal fosse realmente de subsistência, a preocupação, senão o desespero, seria toda voltada para a próxima refeição, em virtude da incapacidade crônica de se produzir fazer previsões mais inteligentes e estocar mantimentos, o que é o rudimento da economia. Como não foi nada disso o que se observou por estudiosos, viajantes e cronistas, passou-se de uma generalização a outra, e ambas igualmente ilusórias: a do mau selvagem, desvairado e faminto, e a do bom selvagem, despreocupado, abundante e idílico. Os receios do milenarismo renascentista e até os padrões de beleza mudaram.

Se o dolce far niente dos tupis-guaranis ou tupinambás tanto irritava a portugueses e franceses, o imperativo categórico do "é preciso trabalhar" deve ser refletido diante da qualidade de vida desfrutada pelo nosso contemporâneo que toma dois ou três ônibus na ida para o trabalho, e outros tantos na volta, para se lançar ao lavor braçal por muitas horas seguidas, em um ambiente onde se sente totalmente descartável; tudo para ganhar um salário mínimo por mês e pouquíssimos dias de folga por ano, se tanto. Por outro lado, muitos abastados não reprimem o orgulho ao dizerem que trabalham demais, que gostariam de se dedicar mais à família ou a pequenos hobbies, mas não têm tempo, estão sempre correndo ou em viagens importantíssimas e reuniões inadiáveis.

Índio trabalhava pouco ou nada porque não tinha que ganhar dinheiro – e isso porque não existia dinheiro. Quando eles começaram a ter que trabalhar o que aconteceu é que começaram a morrer.

Assim, a sua "vagabundagem" deve ser vista como um conceito, no fundo, verdadeiro, embora distorcido pela lente etnocêntrico-econômica. Já o "primitivismo", esse sim um preconceito vulgar, só pode ser entendido à luz da cultura política e da vivência jurídica, o que tentarei fazer em breve aqui neste espaço.

Jornal de Brasília

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