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Ivaldo Lemos Júnior
Promotor de Justiça

Existe um ambiente comportamental comum a todos os seres vivos, o da sexualidade, cujas funções são de competência teórica da zoologia. Sapos, leitões e camelos têm vida sexual (não entre si, evidentemente), assim como os humanos. A destes últimos, ninguém conhece melhor do que a medicina. As categorias mais bem estudadas provém da anatomia e da ginecologia, dentre outros ramos, que mapearam nos mínimos detalhes o corpo humano como objeto de conhecimento, de cujos frutos nos aproveitamos todos.

Falar em erotismo já é outra coisa: é abstrair o ato e tomá-lo por empréstimo ao espírito, não para transmiti-lo da cátedra, mas para usá-lo sensualmente, estilizá-lo, até mesmo saboreá-lo. O Kamasutra não se confunde com um catálogo de taxionomia científica ou um tratado de semiótica médica. Nem poderia, porque entram em cena outro vocabulário e, principalmente, outros propósitos.

Já o casamento é a ordenação de ambas as realidades, sexuais e eróticas, dirigido para a "criação do universo da família, no qual surgem os filhos, protegidos por esse universo". Essa é a concepção de Karl Jaspers, com a qual concordo. Mas eu vou aqui fazer uma leitura um pouco diferente do casamento, definindo-o como a conjugação harmônica de dois fatores: evolução do sexo e eliminação do infanticídio.

Evolução do sexo tem um sentido normativo. Não se trata de uma reflexão quanto à satisfação do ato em si porque, do contrário, muitos acusariam que o congresso desfrutado ao longo da vida a dois sofre em desgaste qualitativo e, mais ainda, quantitativo. Algumas revistas femininas são especialistas em dar dicas de “como esquentar a relação” quando "o seu parceiro não a procura mais". Tudo bem que exista um mistério metafísico que anima o amor conjugal - o próprio Jaspers explica que "a mulher se torna mais bela com os anos, mas só pode percebê-lo o homem que a ama" - mas do ponto de vista físico não há mistério nenhum. Seja qual for a fase da parceria, a mulher que sente repugnância pelo marido enquanto macho (ou seja, em razão do potencial lúbrico que seu corpo lhe pode proporcionar) carrega um desconforto que vai implicar profundas conseqüências para ambos, porque esse quesito está também contido na palavra "amor". Sabemos o que significa "fazer amor", e sem os estímulos corporais adequados, isso simplesmente não é possível. Para o marido que nunca achou a mulher atraente, não adianta nem chamar o Dr. Jaspers (que, além de filósofo, era médico e psiquiatra) para acalmar as suas inquietações.

A insistência, nesse contexto, dá um sinal contrário a tudo, tem um efeito contaminador; o amor se transforma em assalto, o desejo, em punição. O sexo deixa de ser uma celebração pois nele, mais vivamente do que em qualquer outro momento, marido e mulher comemoram o fato de se amarem. Sem a nota da sacralidade, a conjunção da carne não passa da prova mais evidente de que os consortes não se merecem um ao outro. Eu arriscaria dizer que as mulheres têm mais consciência disso do que os homens.

No primeiro aspecto, portanto, o casamento modela o amor e legitima o sexo, e isso reclama a intervenção alheia - a do Estado -, porque toda a sociedade participa do himeneu enquanto fenômeno. Não, é claro, da intimidade propriamente dita, que é muito particular, mas da aspiração pelo reconhecimento, pela homologação de um cotidiano comum que se passa em quatro paredes, mas com a porta semi-aberta. Não há casamentos clandestinos, isso não é da sua essência. O Código Civil fala em "posse do estado de casados" como prova pró e contra daquilo que se exige de uma sociedade duvidosa e que se pretende declarada. O papel-passado ainda tem uma função reguladora a desempenhar, e não há nada de mal nisso.

O segundo aspecto diz respeito ao infanticídio, e para compreendê-lo plenamente não basta abrir um volume do Código Penal, que nos diz que isso é crime e acabou-se.

Esse é o capítulo derradeiro da lição, o passo final de uma longa caminhada. O estudo da biologia e da etnologia são fundamentais para o jurista, que deveria se engajar mais naquilo que chamarei de arqueologia do amor, e que explicarei melhor em outra oportunidade.

Jornal de Brasília

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