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Ivaldo Lemos Júnior
Promotor de Justiça


Nos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, modelos, atrizes e "candidatas a" vêm desfilando há alguns anos com o chamado tapa-sexo (T-S). Você sabe: é um apetrecho bastante discreto, cuja função é disfarçar as partes pudendas da mulher e passar a impressão de que ela está nua, mas na certeza de que ela não está. Neste ano, uma modelo, cujo nome não me ocorre no momento, bateu o recorde ao usar um T-S menor que o normal, de 3,5 cm, que não justificou sua utilidade, pois foi vencido pela lei da gravidade. Sim, caiu, e a escola foi penalizada porque a Liga Independente das Escolas de Samba proíbe a apresentação de pessoas com a genitália à mostra.

Confesso que desconhecia essa penalidade, e fico admirado em saber que o T-S pode ser exatamente o diferencial da escola campeã ou de alguma outra na luta contra o rebaixamento para a divisão inferior. Confesso também que, olhando para as fotos antes e depois da derrocada do T-S, não percebi muita diferença. Imagino que a usuária tenha dado uma raspada na pelagem pubiana, de tal modo que o T-S só seria realmente notado se ela abrisse bem as pernas e/ou fosse flagrada em um ângulo mais indiscreto. Não sei dizer se isso aconteceu. Chamou-me mais a atenção seu busto recheado de material sintético, cujo resultado redundou num formato irreal; parecia desenho animado.

Em Sexo e repressão na sociedade selvagem, de 1927, B. Malinowski reclamava que "o tratamento aberto do sexo e de várias vergonhosas mesquinharias e vaidades do homem é do maior valor para a ciência", e isso só poderia ser feito "sem enfeites irrelevantes e ainda sem a folha da parreira". Pode ser que o T-S da Sapucaí seja vergonhoso, mas não parece ser assim tão irrelevante. Afinal, nem tudo está perdido: a imprensa avisa que a moça já foi convidada para posar para uma revista. Aceitará?

O jurista se interessa por essas coisas, dentre outros motivos, porque existe um crime previsto no Código Penal chamado "ato obsceno". O tipo não é muito preciso: "praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público". Enquanto esse artigo estiver em vigor, todos os anos vai continuar existindo um enredo também fora da avenida: ora o delegado valentão que quer prender a moça ali mesmo e recolher o corpo – e que corpo – de delito, ora o polícia liberal, que se apressa em dizer que isso não é crime, no que é prontamente aplaudido pelo beautiful people e sua claque.

Eu trabalhei em Juizado Criminal por cerca de seis anos, e esse delito era recorrente. O número de pessoas que se masturbam em público é bem maior do que você imagina (uma das vezes foi no banco de um dos corredores do Conjunto Nacional). Urinadores em via pública também apareciam bastante. Mas eu ponderava que urinar é diferente porque, bem ou mal, é uma necessidade fisiológica (masturbar, que eu sabia, não). Então eu agia assim: se a micção se desse de frente para a rua, era crime e castigo. De costas, era só falta de educação desagradável, mas tolerável, e caso arquivado.

A maioria dos crimes não passa de falta de educação abusiva. Matar alguém – que é a definição legal do homicídio – é a maior descortesia que se pode fazer com o próximo. No entanto, desfalques financeiros, embora sejam gravemente apenados, são crimes bem aceitos, porque cometidos pela alta sociedade, sem maiores revoltas de suas vítimas. Dizem que alguns ricaços são também os maiores sovinas da praça.

Falta de educação, prisões em flagrante, aplausos do público: tudo isso vem ao caso porque nos importamos sobre o que os outros pensam sobre nós. Se dizemos o contrário, mentimos ou no mínimo exageramos; o limite da total auto-suficiência, dizia Norbert Elias, é a sanidade mental. É por isso que as pessoas não saem peladas na rua (exceto a rua do sambódromo, no dia da parada). Se você realmente não se importa com os outros, os outros se importam com você, e a primeira cacetada do policial vai servir para te lembrar disso. O que muda é o desejo da reação: se é vontade de ser admirada pelo recato e honestidade, ou se a mulher fica eufórica diante do convite para ser a atração mensal da revista masculina, a fim de que um número maior de pessoas remova de vez a sua folha da parreira.

Jornal de Brasília

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