Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Há cerca de oito anos estive passeando por algumas cidades da Holanda. Perdoe-me se alguém se ofender, mas não gostei de nenhuma. De modo especial, Amsterdã, e de modo mais especial a chamada zona da luz vermelha.
O que mais me chocou não foi bem isso; afinal, sou de um país onde o turismo sexual corre a céu aberto, a preços, imagino, mais favoráveis.
Meu constrangimento foi que, naquele momento, badalavam os sinos de uma igreja, anunciando a hora do serviço religioso. Os sinos ficaram dobrando por muitos e muitos minutos - e o pior é que eu não conseguia ver a igreja de onde o som promanava --, contrastando de maneira gritante com a cena dos cafajestes se divertindo com aquelas infelizes nas vitrines da vida.
Reparem que estamos diante de dois convites. Os dos sinos, barulhentos, os das mulheres, visuais. Mas é obvio que não é essa a única ou principal diferença. Os sinos chamam para a participação em uma experiência sagrada, e as facilidades da carne atraem para um congresso profano, e põe profano nisso.
Qual a diferença entre um e outro? É que ambos não tem a mesma natureza, são de realidades diferentes, sem solução de continuidade. O sacro é algo que não pertence ao mundo e as suas leis, e não se submete ao entendimento racional pleno. Ele existe a título de manifestação - que o historiador Mircea Eliade chama de "hierofania" -, por intermédio de fenômenos, acontecimentos, objetos e até pessoas, que revelam algo que não se confunde com suas constituições imediatas mas se transmudam em possibilidades sobrenaturais, teológicas ou morais.
Para o homem profano, o sino de uma igreja faz barulho e irrita. Para o sagrado, a prostituição, como naquela musica do Cartola, é um abismo cavado com os próprios pés.
Jornal de Brasília