Ivaldo Lemos Júnior
Promotor de Justiça
Nos últimos anos, tenho dedicado quase que a totalidade de meus estudos na reflexão que mais adequadamente possa responder à pergunta "o que é o Direito?". Ao mesmo tempo em que a empresa parece ambiciosa, pois o tema é inexaurível em todos os seus aspectos e sutilezas, e vem sendo enfrentado por gigantes do pensamento há vários séculos, o esforço só faz sentido se atender às exigências espirituais de uma só pessoa: eu mesmo. Sinto-me como aquele corredor diletante que se prepara a duras penas para participar da maratona, e cuja única pretensão é completar a prova, sem medo do ridículo, e ir melhorando seu próprio tempo, ano após ano, nem que seja por alguns segundos.
Em outras palavras, o desempenho de minha cronometria é menos uma questão que dependa dos resultados em si (até certo ponto irrelevantes), do que da tentativa de deprimir algumas necessidades que estão em mim, relativamente independentes de explicações racionais ou no mínimo coerentes em termos de gênese e desenvolvimento. Não escolhi a palavra "necessidade" por acaso, assim como não acredito que exista outro motivo genuíno para se correr uma prova de atletismo ou para se ler Chateaubriand, Borges ou Bilac – a menos que você faça disso o seu ganha-pão, ou tenha interesses esteticamente duvidosos, como massagear o ego com uma medalha no peito, desfilar na sociedade um diploma de PhD, impressionar a mulheres ou amigos etc.
O tormento filosófico em torno da indagação acima colocada (o que é o Direito?) não apenas encara o desafio da expedição mais tipicamente metafísica, como também o da outra face da mesma moeda: saber o que o Direito não é. A diligência é, desde Kelsen, conhecida como uma tentativa de se "purificar" o objeto do estudo jurídico, e é tão relevante para os fins propostos quanto aquele bombeiro que deve apagar o incêndio e sabe tudo sobre fogo mas nada sobre água. O Direito deve ter pelo menos alguma coisa que seja sua, e de mais ninguém, sob pena de ser ele a soma de vários algos, todos igualmente carentes de um processo de decantação que demonstre que cada um é realmente mais do que nada. Essa é uma conta que tem que fechar ao menos a título hipotético, e está quase que totalmente em aberto. Até mesmo os números e as variáveis que compõem a equação estão em aberto.
Eu tenho a minha resposta, e ela tem me satisfeito há algum tempo (ainda que a palavra "satisfeito" não seja de todo conveniente). Tem, portanto, sua função modelar, como projeto básico mental, que posso manipular ao meu bel-prazer. Mas é fundamental que se saiba que as qualidades de quaisquer respostas só disputam entre si se todas estiverem no mesmo patamar científico, ou seja, se todas pretenderem apreender a realidade em termos pouco abstratos (dada a natureza dos méritos gnoseológicos e epistemológicos – explicarei essas palavras pomposas um dia) e tentarem ensiná-la em termos ainda mais abstratos (na razão política do auditório argumentativo ou de comunicação da verdade). Isso é mais ou menos como o maratonista que – honrado, eventualmente – se contenta em chegar em milésimo lugar, três horas depois do primeiro colocado, mas que não aceita, de modo algum, que o vencedor tenha feito uso de doping, ou pego um atalho, ou, de qualquer forma, trapaceado a vitória.
Enquanto fenômeno, por assim dizer, histórico, não é relevante que o ganhador da maratona seja aquele queniano, cujo nome ninguém tinha ouvido falar antes (nem guardou depois; é assim: "um queniano venceu", e isso basta), mas que a duração da prova venha caindo em suas edições. No terreno científico é a mesma coisa. Vamos conhecendo mais acerca do mundo real aos pouquinhos, mas os nomes de fato relevantes que compõem o processo de maturidade raramente são conhecidos e guardados. Se existe um fio de Ariadne que nos conduza como um poder central capaz de dirigir os esforços individuais, seja ele a Matemática ou a Semiótica, a Economia ou a Teologia, isso já é uma meditação mais aprofundada. Por enquanto, podemos pensar que todos os maratonistas são vencedores da prova – simplesmente porque estão todos correndo para fora e não para dentro do percurso, o que é esquemático em termos de sentido físico –, com exceção da frustração do segundo colocado, esse sim, talvez, o único perdedor (mas não vou elaborar esse insight rodrigueano).
P.S.: O título deste artigo é a tradução do livro Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, feita em 1952 por William L. Grossman, e publicada pela editora The Nooday Press.
Jornal de Brasília