Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Tudo o que existe no ambiente forense diz respeito a uma complexa rede comunicativa conduzida por interesses concretos e voltada a finalidades específicas. Quando a Justiça decide uma causa, ela não afirma que esgotou a apuração do material levado à sua apreciação e que abraçou a realidade de modo direto e inequívoco: em português, utilizamos a curiosa expressão "verdade dos fatos". O bater do martelo é epistemologicamente menos audacioso e quer apenas não prolongar indefinidamente um conflito.
Isso acontece em razão da falta daquela "certeza absoluta" que gostaríamos de possuir e que decorre das deficiências naturais do processo de conhecimento - entendido não no sentido jurídico, mas filosófico. Nenhum sujeito consegue se posicionar dentro de uma objetividade total, a menos que a verdade não seja o valor de regência de seus propósitos estatutários, ou então que se perceba intuitivamente o real como uma verdade já possuída por si.
A Justiça não pode ter essa pretensão e, se forjá-la, agirá com arrogância ou mesmo desonestidade. O juiz não é o dono da verdade, até porque sua decisão é fruto em segunda mão do conhecimento emprestado por outras pessoas, como o autor, o réu, testemunhas, peritos; tudo isso, por sua vez, já vem moldado pelo trabalho dialético dos advogados e promotores públicos.
No fundo, a decisão de um juiz não passa - entendam bem essa expressão - de uma opinião, que não é necessariamente melhor em termos estritamente cognitivos do que a de uma testemunha, por exemplo. Ao contrário, esta presenciou o fato, viu o assalto, ouviu o estampido dos disparos, conhece detalhes que não podem ser substituídos pela versão de quem não estava lá, como é o caso do próprio juiz. Nesse aspecto, não deixar a testemunha julgar o caso não deixa de implicar uma certa perda em qualidade da informação. Julián Marías chamava de "inversão da hierarquia justa" o desprezo da evidência que se impõe à visão, preferindo-se tomar como realidade o que "se diz".
Jornal de Brasília