Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça
O que acontece é que o próprio olhar do testigo, e consigo sua memória, receios, coerência, credibilidade enfim, também estão em julgamento. O olhar é então tomado quase que em sentido literal, pois se aplica por antonomásia a toda a atividade cognoscente como um prisma por meio do qual a realidade observada sofre um processo de refração. Trata-se de um saber olhar, um compreender que não é assistir e sim interpretar. Naquele exemplo conhecido, "ver" uma ponte desmoronada é julgar que uma ponte ruiu porque, a rigor, o que se enxerga são detalhes brutos: pedras, barras de ferro, pedaços de madeira, restos mortais, tudo mais ou menos amontoado. O significado de tudo isso está na cabeça de quem vê.
A testemunha não pode julgar o caso porque outra testemunha pode interpretar o mesmo fato - veja bem: a realidade é uma só; a "verdade dos fatos" é que se mostra elusiva - de outro modo, o que levaria a um resultado diverso, por vezes contraditório. Portanto, se a figura do juiz traz uma perda pontual no quesito informação, traz também um ganho no sentido hermenêutico de reunião de vários aspectos que, juntos, e somente juntos, fazem sentido, e isso só pode ser feito por alguém com um certo distanciamento equânime. Afinal, se o juiz não é o dono da verdade, a testemunha tampouco o é.
Presume-se que o juiz domine as técnicas de interpretação, e essa presunção é juridicamente irrefutável, porque a decisão não tem outro escopo senão a de ser cumprida. O julgamento pode até não ser justo (leniente, draconiano, preguiçoso, demorado etc.), mas se não for entregue e acatado é o pior dos julgamentos: é um não-julgamento; é pura perda de tempo.
Teoricamente, repito, demandas e decisões judiciais não passam de teses, ou seja, de possibilidades de explicações da realidade que são interpretadas como relevantes para o direito. São, sim, ficções, mas no sentido de algo "construído", e não de aventuras mentais ou romanescas, de correspondência do real como uma mera coincidência.
Jornal de Brasília