Seu navegador nao suporta javascript, mas isso nao afetara sua navegacao nesta pagina MPDFT - De Maria Quitéria a Dilma Rousseff - uma história de mulheres

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Procurador de Justiça Rogerio Schietti Machado Cruz e 
Promotora de Justiça Danielle Martins Silva 

Ao caminhar pelo charmoso bairro de Ipanema, à sombra de suas frondosas árvores e sobre suas folhas desprendidas pela brisa do mar, depara-se, em certa altura, com uma placa, indicativa da rua que cruza o caminho. Rua Maria Quitéria. Fixando um pouco o olhar sobre o codinome aposto logo abaixo, lê-se: Heroína da Guerra da Independência.

Se muitos nem sabem que tivemos uma "guerra" para nos tornarmos independentes de Portugal, quase ninguém imagina que uma mulher possa haver desempenhado emblemático papel nessa quadra de nossa história. O ano era 1822 e o local, interior da Bahia, onde voluntários se alistavam às tropas que lutariam pela independência. Maria Quitéria de Jesus, de espírito altivo, idealista e corajoso, pediu permissão ao pai para engrossar as fileiras dessa causa, dele recebendo a resposta de que mulheres fiam, tecem, bordam, mas não vão à guerra. O papel de mulher não servia ao propósito de Quitéria, que decidiu, então, abandonar a fazenda de seu pai e seguir para a casa de sua irmã, onde cortou os cabelos e tomou emprestada a farda do cunhado, de quem também fez uso de seu nome. Ali surgia o Soldado Medeiros, descoberto pouco tempo depois.

De todo modo, vestindo saia mesmo, Maria Quitéria participou de batalhas, enfrentou portugueses entrincheirados, fez prisioneiros e alcançou o reconhecimento não só de seus superiores e da população da Bahia, que a aclamou como heroína, como também do Imperador Dom Pedro I, que a recebeu no Rio de Janeiro para condecorá-la com a insígnia dos Cavaleiros da Imperial Ordem do Cruzeiro.

Nossa desconhecida história é composta de outras mulheres de similar importância, tanto nas lutas contra a tirania - e aqui vale a lembrança de Maria Werneck, carioca engajada nas lutas feministas pelo voto e no combate ao fascismo, ao imperialismo e ao latifúndio, sobretudo na década de 30 do Século passado - quanto na ocupação de outros espaços, tradicionalmente reservados aos homens. Na música, recordemos Chiquinha Gonzaga (primeira maestrina, autora da primeira canção carnavalesca, primeira pianista de choro, fundadora da primeira sociedade protetora dos direitos autorais); ou, nas ciências, Maria Von Paumgartten Deane, parasitologista de reconhecimento internacional; ou, ainda, na magistratura, mundo masculino por excelência, que somente recebeu sua primeira juíza, a catarinense Thereza Tang, em 1954.

Na literatura, a personagem Diadorim, de Guimarães Rosa, bem simboliza a valentia da mulher sertaneja, traduzida pelo jargão popular "mulher-macho", que não conhece limites de gênero para manifestar-se. Travestida de homem, Diadorim vê-se obrigada a assumir personalidade e trejeitos masculinos para cumprir a promessa de vingar a morte do pai.

Entre tantos outros nomes que poderiam ser lembrados, o ciclo se completa com a posse na Presidência da República de outra mulher, Dilma Rousseff, de conhecida trajetória de luta contra o autoritarismo. Em um país tão sexista, com ainda poucas mulheres ocupando os espaços públicos, é surpreendente termos no posto máximo da nação uma mulher.

Para aquela que se lança ao desafio de abandonar o papel de mera expectadora dos acontecimentos, enfrentar a construção social que não reconhece nas mulheres qualidades como protagonismo, valentia e liderança, é mais um obstáculo a ser superado. A estrutura patriarcal da sociedade impôs um modelo de racionalidade que se expressa no discurso jurídico, histórico, filosófico e até mesmo no médico e artístico, sugerindo a invisibilidade da mulher, de sua condição de sujeito. E é com fulcro na invisibilidade da presença feminina - e não na inexistência de grandes feitos praticados por mulheres - que a história segue sendo contada pelos homens, conforme ressalta a filósofa Magali Menezes.

Que a linha do tempo, a unir passado, presente e futuro, permita fazer justiça a tantas brasileiras, ainda invisíveis, que ajudaram a construir o patrimônio cultural, político e científico do Brasil; e, a tantas outras, permita continuar a ocupar espaços de poder, ombreando com os homens no projeto de realização de uma sociedade mais igualitária. 

Correio Braziliense

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