Promotor de Justiça Ivaldo Lemos Junior
"Não há, em verdade, justiça sem homens justos", escreveu Miguel Reale. Mas o que é um "homem justo"? Intuitivamente, pensamos que um homem justo seja um homem bom, um homem correto, decente: honesto, trabalhador, sábio, sóbrio, generoso, prudente, leal, manso (mas não covarde), dedicado às causas mais nobres e em geral as mais admiradas, firme nas convicções porém flexível e compreensivo. Mais exigente consigo mesmo do que os outros.
Se entrarmos nos detalhes biográficos de qualquer pessoa, encontraremos problemas, porque todos, sem exceção, têm defeitos. Todos temos falhas de caráter, fragilidades, misérias. Um homem justo não é decerto a encarnação da perfeição, mas alguém reconhecidamente dotado de ótimas qualidades e poucos e perdoáveis defeitos.
Uma máxima de S. Carlos Borromeu admoestava: ominia vedere, multa tolerare, pauca corrigere. Ver tudo, tolerar muito, corrigir pouco. Corromper os componentes integrantes dessa máxima - vendo pouco ou nada, tolerando pouco, corrigindo muito -- é como impor a existência na base na brutalidade, trazendo malefícios para os que estão à sua volta e mesmo à distância. Acusar e condenar outrem indiscriminadamente é uma forma mesquinha de se auto-absolver em vez de buscar o aprimoramento da autonomia espiritual. Ninguém consegue fazer isso sem machucar e se machucar.
Mas existe o homem justo, por assim dizer, profissional. É o que trabalha com o direito, entendido como o processo cultural vocacionado para a realização da justiça social. Tenho que, aqui, o conceito ganha um colorido diferente e até, em parte, contrário à noção acima colocada.
Tomando o juiz como modelo do raciocínio, homem justo é aquele que não deixa transparecer suas idiossincrasias, mesmo as melhores. A convicção que deve explicitar em seu trabalho - em especial seu trabalho por excelência, que são suas decisões - diz respeito à prova dos autos que as partes trouxeram a seu conhecimento, e não ao discernimento que reside em sua consciência mais íntima.
Jornal de Brasília