Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Você já reparou que uma lei é feita por um órgão colegiado chamado Congresso Nacional ou o nome que se lhe queira dar, Congresso de Deputados, Casas dos Parlamento, Câmara Alta, Baixa etc. Um órgão legislativo é, com efeito, um grupo de pessoas, de seres humanos. Leis são produtos artificiais, valer dizer, são produtos humanos. Não são produtos da natureza que nós encontramos, colhemos e alegremente passamos a desfrutar.
Uma laranja é um produto da natureza. Uma laranjeira é um produto da natureza. Uma laranjeira plantada é produto da natureza e do homem (mais daquela do que deste). Um suco de laranja espremida é produto da natureza e do homem (meio a meio). Um suco de laranja de caixinha é produto da natureza e do homem (mais deste do que daquela).
Costumamos lançar um pensamento normativo sobre essas coisas, ou seja, achar que o bom é o natural, que o "certo" é o natural, que o artificial é uma reprodução piorada ou falsificada da versão original. O próprio exemplo do suco funciona mais uma vez: quanto mais aproximada de seu modelo, melhor é a réplica (eu mesmo já tomei uma tal de pink lemonade, "limonada rosa", que realmente tinha gosto de limão, e um gosto até bom para que não é fã número 1 desse líquido).
Mas nem tudo o que vem da natureza é bom coisa nenhuma. Acontece que vírus, bactérias, fungos são coisas naturais. Borrachudos, moscas e carrapatos são também coisas naturais. Carrapichos, espinhos, plantas venenosas, não gostamos que nada disso tenha qualquer contato com o nosso organismo. Norbert Elias dizia que só gostamos da natureza que domesticamos.
Retomando a noção de artificialidade da lei, o que vale pontuar é o reconhecimento explícito, inconfundível e até cabisbaixo de que nós somos prevaricadores, difamadores, caluniadores, assassinos, aborteiros, estelionatários, receptadores, ladrões, latrocidas, traficantes. Mas nem todos. A diferença entre moral e direito é que aquela transforma o "nós" em "eu" e este transforma o "nós" em "eles".
Jornal de Brasília