Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Se existe algo que deva ser feito com cuidado são citações. Uma citação infeliz pode estragar o texto, deixando-o, no mínimo, desnecessariamente mais longo. Podemos dizer que citar é uma arte, e essa arte começa com o quem: é de reconhecido bom gosto reavivar o legado de Platão, Shakespeare e Goethe. Mas não se pode dizer o mesmo, por ex., de "Minha luta", de Hitler, ou de algum panegírico empoeirado do fascismo.
Existe também uma divisão que é mais de mérito político do que intelectual: o pessoal da direita não menciona Chico Buarque e Frei Betto (salvo para esculhambá-los), e a esquerda ignora Gustavo Corção ou Nelson Rodrigues, como se a eloqüência do silêncio pudesse varrer seus nomes do mapa.
Citar frases soltas também não é boa pedida. É arriscado pinçar um ou outro trecho isolado - muito especialmente se isso for feito em segunda mão -, porque sempre convém saber quem foi o autor, onde e quando viveu, como se situa o conjunto geral de sua obra, em que contexto exato a frase aproveitada foi produzida, e se ela realmente enriquece o próprio escrito da pessoa que a está citando.
Mesmo passando por todas essas provas, a citação precisa ser bem encaixada, para que não fique no ar um cheiro de "e daí?": e daí que Niestzche disse isso? Que diferença isso faz?
Pois bem. Não sei qual é a relevância da banda de rock U2 na história da arte ou na história da música; desconfio que muito pouca. Mas sei qual é a sua relevância na minha trajetória particular, e essa não é pouca.
Há quase trinta anos escutei deslumbrado uma de suas músicas, chamada "40". O garoto que eu era, adolescente de tudo, não sabia que o título fora dado em razão do Salmo 40, de Davi. Com mínima variação, a letra consiste nos seus quatro primeiros versículos.
A melodia é bonita e fácil. Quando as pessoas a cantam, estão, na verdade, rezando. Isso mesmo, rezando. Resistindo à distorção das guitarras, a música bem poderia ser aproveitada em qualquer igreja no momento do Salmo Responsorial.
Jornal de Brasília