Promotor de Justiça do MPDFT
Quanto mais próximo de regras práticas e de conteúdo eticamente indiferente, mais o direito se identifica com a técnica, em termos de procedimentos legislativos, praxes administrativas, rotina jurisprudencial, e mesmo da espontaneidade entre as pessoas de um modo geral.
Todavia, outras regras apresentam alta densidade moral, cujo conteúdo por isso mesmo nada tem de indiferente, e costuma ser objeto de imensas e infindáveis divergências. Praticamente tudo o que envolve três temas - vida, sexo e morte - acende a chama da controvérsia. O aborto pode ser apontado como o símbolo da tormenta onde se encontram o jurídico e a moral; ele sintetiza o que existe de mais delicado e constrangedor no nível político. Taí um terreno em que não costuma haver conciliações, e as soluções intermediárias, em vez de trazerem uma trégua possível, produzem resultados exatamente opostos, com inconformismos de todos os lados.
O direito criminal e o civil, principalmente o de família, são fecundos em questões de legalização da moral, exatamente porque se preocupam profunda e detalhadamente com a tríade vida-sexo-morte. Dennis Lloyd dizia que "as leis não existem num vazio, mas são encontradas lado a lado com códigos morais de maior ou menos complexidade ou definibilidade". Eu vou mais longe: lado a lado, não. O direito é paralelo com a técnica. Mas brota de dentro dos códigos morais, e não dos lados.
Resta saber quem tem autoridade para ditar seus códigos aos outros.
Jornal de Brasília