Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
O "politicamente correto" é a unção da mediocridade. Entendam que estou usando a palavra "medíocre" em seu sentido original, que é aquele que não revela nada além de propriedades comuns, do não diferenciado. Em direito se diz "fungível": objetos idênticos são substituíveis entre si porque são igualmente medíocres. Nada distingue um do outro, todo es igual, nada es mejor.
Uma sociedade é composta, por evidente, de seres humanos. A questão é quantitativa em primeiro lugar, pois um agrupamento de cinco ou dez pessoas não constitui uma sociedade. Não sei qual é o número exato que a instaura, nem qual é o que a faz transbordar. Uma cidade onde moram 15 milhões de indivíduos tampouco é uma sociedade, mas um fenômeno que merece outra designação. Parece claro que não estamos adaptados a viver adequadamente desse jeito, porquanto exsurgem inúmeros problemas insolúveis ou de dificílima solução.
Do mesmo modo, são conhecidas experiências que emulam a convivência societária como se fora comunitária, ou seja, como se a "coincidência de desejos" (expressão de Ortega) ou o "sentimento de unidade" (expressão de Linton) dentro de uma cooperativa territorial pudesse traduzir reciprocidade e previsão de condutas em nome de uma ideologia particular. Nessas horas, os ingredientes costumam ser a falta de algo que não faz falta nenhuma: dinheiro, roupas, alimentos enlatados, câncer de pele, pornô, código penal: qualquer coisa que contraponha o estado edênico àquele do qual desejamos fugir.
O "politicamente correto" é uma espécie de reconhecimento virtuoso daquilo que existe de mais ordinário. A nêmesis do sujeito simples, pai de família, religioso e trabalhador, é a equação fama-beleza-poder, todavia venerada de joelhos. Não se cuida aqui de valorizar uma idiossincrasia ou outra que seja refinada à guisa de atribuição, de especialidade sacrificante. Não, nada de sacrifícios. O politicamente correto é um óleo que dilui a pessoas no social e as emulsiona como coisas medíocres e fungíveis.
Jornal de Brasília