Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

"É essencial que estabeleçamos uma distinção entre a admiração e a repugnância", escreveu o filósofo Julián Marías. E escreveu também: "diante de pessoas, instituições, projetos, doutrinas, temos de sondar nossa verdadeira intimidade para descobrir nossa reação profunda. E agir coerentemente com isso".

Essas poucas linhas revelam três atividades diferentes. A primeira é de reconhecimento, ou seja, de resignação diante de coisas que não fazem parte da natureza, física ou psíquica, visível ou invisível, do próprio sujeito cognoscente. E, ainda, são elusivas a seu controle, exceto em um nível superficial e até enganoso.

Todos nascemos com um cabedal de conhecimentos já estabelecido, por outras gentes, ao longo dos tempos. Pode ser que esse patrimônio não seja suficiente em suas variadas manifestações - o que aponta para o sentido do desenvolvimento -, mas é de todo modo muito superior ao que se conseguiria construir em uma empreitada solitária. Uma vida individual é muito pouco para tanto, e mesmo que não o fosse, isso não faria muito sentido. Por que não subir nos ombros de gigantes e admitir que o começo e o fim da história não coincidem com os confins de minha trajetória pessoal?

Existem, sim, pessoas, instituições, projetos, doutrinas, e muito mais: tudo isso compõe o domínio que inspira aquilo que "podemos ser". Existe, outrossim, a reflexão acerca da relação entre a pessoa e o mundo, da sondagem entre o dado e a intimidade, ou melhor, a "verdadeira intimidade". Isso faz parte daquilo que "queremos ser", e que pode implicar a confiança da verdade como uma forma de vida ou, ao contrário, um atrofiamento estéril, rancoroso, que é "antes de tudo uma negação daquele que nega", nas palavras de Julián.

Por fim, coloca-se a etapa do agir coerente com a relação abrangente entre o âmago do sujeito e a realidade do mundo. Esse é o território do que "devemos ser". Essa é a estrutura do homem religioso, moral e jurídico, que pode ser tosca, mediana ou sofisticada.

Jornal de Brasília