Inácio Neves Filho
Promotor de Justiça do MPDFT
Ultimamente uma onda crescente de marchas tomou conta do nosso país, desde a marcha pela liberação da maconha, às paradas gays, até a marcha das margaridas, cada uma com sua bandeira específica e um propósito único - chamar a atenção da sociedade para determinado assunto.
Não se discute a legitimidade e a importância da maioria desses movimentos sociais, os quais muito tem contribuído para a transformação da sociedade, quebrando tabus e empoderando categorias de pessoas e classes sociais, com o atendimento de suas reivindicações. O que causa espécie é constatar que a grandiosidade e importância do tema objeto de reivindicação nessas marchas nem sempre tem correlação com o número de adeptos dispostos a arregaçarem as mangas nas ruas para extravasarem suas insatisfações.
É indiscutível que a corrupção figura entre os temas de maior relevância na atualidade, não só pelos constantes escândalos protagonizados em todas as esferas de governo - com sucessivas quedas de ministros, mas pela cultura sistêmica que vem se incorporando na alma do povo brasileiro, cada vez mais indiferente e complacente com os malfeitos da classe política. Aliás, por falar em ministro, o do Trabalho, cotado até às nuvens para cair (não de avião, é claro), desafiou a presidente Dilma afirmando que só sai "à bala" e deu uma de menino malcriado: "duvido que mamãe me tira desse berço". "E olha que sou pesadããão". No dia seguinte, o birrento pediu desculpas e mandou um beijo à mãezona.
Mesmo diante desse quadro tenebroso, as marchas anticorrupção não tem conseguido sensibilizar a contento a sociedade brasileira, sendo que o sucesso de uma ou outra marcha está mais ligado à capacidade de arregimentação por parte das entidades oficiais e ONGs organizadoras do que a um verdadeiro sentimento de indignação dos que, de fato, não compactuam, não querem e não admitem a corrupção.
Situação totalmente oposta ocorre com os simpatizantes da liberação da maconha e os que estão à frente das chamadas "paradas gays". Nessas marchas, percebe-se tamanha espontaneidade nos participantes, que são movidos especialmente pelo desejo de defenderem suas bandeiras, independentemente da eficiência ou não das entidades organizadoras. A título de exemplo, a última marcha da maconha reuniu cerca de 2 mil pessoas em Goiânia e em São Paulo e 5 mil no Rio de Janeiro. Já a última "parada gay" contou com 70 mil pessoas em Goiânia e 1 milhão no Rio de Janeiro. Em São Paulo, debaixo de chuva e, mesmo em dia de clássico entre Corinthians e São Paulo, o movimento reuniu 4 milhões de pessoas.
A marcha anticorrupção deflagrada em todo o Brasil no feriado do dia 15 de novembro foi um fiasco. Reuniu 30 gatos-pingados em Brasília, 150 no Rio de Janeiro e 210 em São Paulo. Goiânia, graças ao esforço da maçonaria, conseguiu dar o exemplo, reunindo cerca de 2 mil pessoas. Para não desmotivar as entidades organizadoras e a diminuta platéia que compareceram aos eventos, puseram a culpa na chuva e no feriado. E é fácil explicar: esqueceram de avisar São Pedro ou de recomendar o uso de guardas-chuvas. Além disso, 15 de novembro, embora seja data cívica que muito nos comove, ninguém sabe que nesse dia é feriado em todo o Brasil.
Mas, vamos à pergunta que interessa: o que é mais importante para a sociedade brasileira: uma nação verdadeiramente organizada, com grau de corrupção em níveis mais aceitáveis ou a liberação do uso da maconha sob a alegação de que a proibição acaba por estimular o seu uso? O que verdadeiramente está por detrás dessa sangria desatada pró-maconha? Uma sociedade mais justa e fraterna passa pela liberação do uso de drogas? Creio que não.
Um dia desses, um amigo meu, muito sensato, me fez uma colocação que achei muito interessante, embora, de início, tenha assustado com o que ele me disse. Afirmou-me o dileto amigo que era favorável à marcha da maconha e, antes que eu questionasse os motivos, ele concluiu: "eu quero ver uma marcha promovida pelas mães dos maconheiros". De imediato, emendei: "menos a de FHC, porque já é falecida, né?". Confesso que nunca ouvi uma colocação mais pertinente. Não há ninguém neste mundo que queira mais bem ao outro, senão a mãe em relação ao filho. Duvido que algum leitor venha contestar isso. Também, com todo o respeito à marcha dos homossexuais (cujos legítimos direitos devem ser respeitados), não se tem notícia da participação de seus pais nessas "paradas".
Fato é que a corrupção em nosso país, embora deplorável, não constitui revolta primeira da sociedade atual. O que se percebe é que há uma crescente cultura da indignação do "por que só eles?" e do "por que não eu?" Trocando em miúdos: "não é justo que só eles roubem, eu também quero a minha vez". Culpa de quem? Penso que a responsabilidade por esse caos moral decorre da falta de vontade política de nossos governantes em promoverem efetivo investimento na educação e na formação moral do povo brasileiro. A propósito, exceto o feriado, o que a classe dos professores pode comemorar no último dia 15 de outubro?
No passado, integrava o currículo das escolas de todos os graus e modalidades dos sistemas de ensino do Brasil as disciplinas Educação Moral e Cívica, OSPB e EPB, as quais foram extintas no ano de 1993, ao argumento de constituírem resquício de adestramento da ditadura militar. Pena que a democracia alcançada pela Constituição de 1988 não tenha conseguido substituí-las por alguma outra disciplina capaz de promover a verdadeira formação moral, ética e de consciência política do povo brasileiro.
Ainda está a tempo. O que você tem feito pela educação do povo brasileiro? Se cada um de nós procurarmos investir na qualidade da nossa própria educação, logo poderemos nos orgulhar de sermos um país verdadeiramente desenvolvido. Que tal fazermos o dever de casa? Essa é a marcha que interessa.
Diário da Manhã/GO