Inácio Neves Filho
Promotor de Justiça do MPDFT
Na primeira parte deste artigo (publicado aos 17.05.2010), analisei o tema sob o aspecto político, estabelecendo um paralelo entre o comportamento do eleitor no processo eleitoral existente no estado de Goiás em relação ao que ocorre no Distrito Federal.
A análise agora é do cotidiano dos goianienses e dos brasilienses, procurando identificar como ocorrem as relações sociais e humanas nas duas capitais. A curiosidade prende-se ao fato de que, apesar de Goiânia ser a capital de Estado geograficamente mais próxima da capital federal, pouca similaridade existe entre elas.
É lastimosa a qualidade dos serviços públicos nos dois lugares. O péssimo atendimento pelo SUS se agrava no DF devido ao elevado número de pacientes do entorno de Brasília e à inexistência de instituto de assistência ao servidor público. Em Goiás, o servidor público estadual possui regime próprio de assistência à saúde (IPASGO), cujo órgão presta razoável atendimento em todo o Estado. Além disso, Goiânia é considerada centro de referências médicas em diversos setores, como cardiologia, oftalmologia, neurologia, ortopedia e até psiquiatria. No DF, a rede particular de atendimento é de confiabilidade duvidosa, fazendo com que os brasilienses de maior poder aquisitivo busquem socorro em São Paulo (Roriz, Sarney e Lula não saem do Sírio Libanês).
Na educação, a situação é crítica nas duas capitais, sendo desnecessário tecer comentário. Lá, o servidor público não foi enganado com a meritocracia: o governador Agnelo Queiroz anda ocupado em defender-se de graves acusações de corrupção, por isso, ainda não teve tempo de imitar essa inovação do governo de Goiás.
O transporte público em Goiânia, embora existam gargalos de superlotação de ônibus, linhas deficitárias e outros, é considerado bom se comparado a outras capitais, sendo até comum encontrar usuário da classe média nos ônibus. No DF, o quadro é horrível: a péssima qualidade, a tarifa cara e a frota de ônibus muito antiga, afastam o usuário de classe média do transporte público. Em contrapartida, diferente de Goiânia, lá existe disciplina no trânsito. Uma campanha educativa feita no passado possibilitou uma convivência pacífica entre motoristas e pedestres, com a diminuição do uso da buzina, a observância da faixa de pedestres e a consequente redução do número de acidentes.
No lado profissional é fato que os goianienses são pouco disciplinados e ainda não despertaram para a grande quantidade de concursos públicos existentes no país. O estudante aqui mata aula para dar uma "desfiladinha" na região do "Piquiras". Os brasilienses levam os estudos mais a sério e estão de antena ligada nos concursos, alcançando estabilidade mais cedo na vida.
No campo afetivo, aqui os rapazes primam pela beleza da garota. Eles preferem as loiras e não se importam se a donzela é meio acomodada na carreira profissional, afinal, se for preciso, ele banca sozinho as despesas da casa - normal. Eles não vão a Brasília porque acham que as mulheres de lá, além de feias e chatas, só ouvem rock'n'roll. As moças daqui também são exigentes: lutam por um rapaz de boa índole (mesmo que seja feio), de preferência fazendeiro, médico, juiz ou promotor. Por considerarem o brasiliense um "nerd burguês metido" e, por temerem um dia terem que morar lá, elas jamais vão a Brasília.
Em Brasília, os rapazes bem-sucedidos são mais benévolos com as moças que não gozam de boa feição. Eles namoram e até casam (em regime de separação de bens) sem se importarem com a beleza delas, desde que a escolhida tenha um bom emprego, seja filha de ministro ou de político famoso. Os tais moços vem pouco a Goiânia, mas, estando por aqui, sempre conseguem ou uma loira ou uma morena - pra eles tanto faz. Só que desistem da empreitada quando descobrem que a princesa, com 26 anos de idade, ainda mora na casa dos pais, não passou em concurso e que, aos domingos, após a missa, costuma almoçar na casa da avó. Eles ficam indignados com isso, e vão embora mesmo. As moças de lá também são muito exigentes nos relacionamentos, preferindo um típico brasiliense: um sujeito frio, inteligente, concursado do Senado e que pensa em ter no máximo um filho. Goiano e mineiro, sem sotaque, até têm alguma chance. Vir a Goiânia, nem sonhar, elas sabem que a concorrência aqui é muito desleal.
Há outras particularidades: Aqui, Michel Teló ou Luan Santana fazem mais sucesso que Ana Carolina, Chico Buarque e David Guetta juntos. Há muita gente que foi ao cinema pela última vez no lançamento do filme "2 Filhos de Francisco". Já o brasiliense detesta velório. Lá, se o sujeito morre na parte da manhã, até o meio dia o coveiro já cumpriu sua tarefa. E tem mais: brasiliense gosta tanto de música sertaneja que alguns lá pensam que Chitãozinho e Xororó é apenas um casal de pássaros em extinção.
Como se vê, é fácil perceber as dessemelhanças e a existência de uma "guerrinha" entre goianienses e brasilienses, em prejuízo dessas gentes. Bom seria se os dois gentílicos conhecessem e explorassem as potencialidades que ambos possuem. Basta ir a Brasília para se encantar com o Parque da Cidade, o Lago Paranoá e uma variadíssima gastronomia; além da paixão dos brasilienses pela arte, música, cinema e teatro. Já Goiânia, os belos bares, parques, feiras e shopping da estação rodoviária, fazem da cidade um verdadeiro cartão postal e enchem de orgulho o peito dos goianienses.
Por último, quanto ao exagero e propositada ironia nas minhas apreciações, clamo veementemente por clemência aos habitantes das duas capitais. Oras bolas, um pouco de descontração em época de ano novo, nunca fez mal a ninguém.
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Diário da Manhã