Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
A Justiça julga o "quê" ou o "quem": o crime ou o criminoso? Claro, quem se senta no banco dos réus é o ser humano (que, tecnicamente, chama-se acusado ou condenado, não bandido, marginal, assassino, estelionatário etc.). Quem vai parar na cadeia ou prestar serviços, ou ser reincidente, é ele, o criminoso.
Mas o sujeito se senta no banco dos réus em razão de um fato, de um ato que é atribuído como de sua autoria, e toda a causa girará em torno disso. A disputa da prova terá como objeto o ato, que é a razão de ser do processo. Se não houver um crime, não há um criminoso. Essa história lembra mais ou menos aquela do ovo e da galinha.
De fato, a conduta social do acusado, tantas vezes fruto de uma história de vida aceitável ou até exemplar, pode sucumbir diante de um crime que praticou e que ficou demonstrado o suficiente. Não existe uma espécie de crédito em que exsurge o direito ao erro. Um capricho do destino - um ciúme descontrolado, um desejo carnal mal reprimido, o reflexo de pintura nos olhos, o reflexo do sol nos olhos - desencadeia o paradoxo de uma trajetória ao mesmo tempo admirável e marcada pelo mau cheiro da desgraça.
O Código Penal se importa com a "conduta social" do acusado, mas somente no momento da dosagem da pena. Ou seja, quando já está superado o desafio entre se condenar ou se absolver o indivíduo. Além disso, o que realmente sabe o Juiz sobre a "conduta social" de seus réus? Nada. Absolutamente nada. Pelo menos nas grandes cidades, o juiz nunca tinha visto ou ouvido falar do réu, com quem teve contato superficial durante as audiências, e do qual provavelmente esquecerá o pouco que apreendeu: dos mais leves preconceitos à confiança e dignidade.
Tal como o positivismo pretendeu colocar os códigos legais na frente da sociedade, para que esta se reconhecesse como se estivesse diante de um espelho, os autos do processo funcionam como um espelho particular do próprio criminoso, como um retrato, como um sonho acordado, um pesadelo.
Jornal de Brasília