Amarílio Tadeu Freesz de Almeida
Procurador de Justiça aposentado do MPDFT
A possibilidade de o Judiciário conceder progressão de regime à assassina da jovem Maria Cláudia Del'Isola tem causado nos brasilienses grande perplexidade. O crime, praticado por pessoas que conviviam há anos com a família, causou em todos sensação de horror, insegurança, impotência e impunidade.
Tal indignação remete a decisão da Suprema Corte, que, no meu sentir, é a responsável por essa permanente sensação de impunidade que reina no país. Refiro-me ao entendimento do STF quanto à inconstitucionalidade de dispositivos da Lei dos Crimes Hediondos.
Ressalto que tal lei decorre de preceito constitucional, com ativa participação da sociedade, com o fito de nela incluir, por lei de iniciativa popular, o crime de homicídio qualificado. Tal se deu em razão do assassinato da jovem Daniela Perez, filha de escritora Glória Perez. Cito tal fato para demonstrar que os brasileiros, de forma ativa, participam do processo legislativo para modificar aquilo que entendem equivocado na legislação penal. Infelizmente o que pensa e quer a sociedade nem sempre é levado em consideração.
Segundo o entendimento do STF, a lei seria inconstitucional porque o cumprimento da pena integralmente em regime fechado, sem progressão de regimes, atentaria contra o princípio da individualização da pena. A origem dessa situação está no art. 5º, XLIII, da Constituição Federal, afirmativo no sentido de considerar alguns crimes como hediondos em decorrência do grande potencial ofensivo de suas condutas, razão pela qual são considerados inafiançáveis e insuscetíveis de graça e anistia.
Logo após a edição da Lei nº 8072/90, surgiu a tese de que seria inconstitucional porque atentatória ao princípio da individualização, visto que essa deveria atender as peculiaridades do condenado e propiciar a sua ressocialização. Em sentido contrário, firmou-se o entendimento de que a lei seria constitucional porque a questão da individualização é matéria a ser regulamentada por lei, ou seja, a lei ordinária é que regularia a questão.
Provocado, o Supremo firmou o entendimento de que a lei seria constitucional: "À lei ordinária compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderá efetivar ou a concreção ou a individualização da pena. Se o legislador ordinário dispôs, no uso da prerrogativa que lhe foi deferida pela norma constitucional, que nos crimes hediondos o cumprimento da pena será no regime fechado, significa que não quis ele deixar, em relação aos crimes dessa natureza, qualquer discricionariedade ao juiz na fixação do regime prisional".
Todavia, em 2006, o STF mudou o entendimento e julgou inconstitucional a regra que proibia a progressão de regime para condenados por crime hediondo: "A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semiaberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social".
A ideia vigente de que a ressocialização dos criminosos deve ser o principal objetivo da pena, "até porque o homem nasce bom e as condições socioeconômicas é que o fazem mau", tem-se mostrado um total fracasso. Recente artigo publicado neste jornal, da lavra do professor Gláucio Soares, demonstra, com base em pesquisa séria, que a ressocialização de delinquentes e criminosos é mera ilusão. Todo mundo sabe disso, mas não ousa contrariar a posição politicamente correta de que o objetivo da pena é recuperar o criminoso.
Certas correntes afirmam que o crime e os criminosos são mero fenômeno socioeconômico, resultado da exploração do homem pelo homem. Ledo engano. Pena não recupera ninguém, até porque recuperação e arrependimento são processos psicológicos, individuais, íntimos, que independem da vontade do Estado. Na prática o criminoso finge que está recuperado e nós fingimos que acreditamos.
Será que alguém acredita, sinceramente, que Fernandinho Beira Mar, Elias Maluco e outros do mesmo jaez ficarão bonzinhos tão só pelo cumprimento da pena? Será que alguém terá a coragem de contratar Adriana de Jesus Santos, assassina de Maria Cláudia, como doméstica? Já passou da hora de modificar essa situação e pensar na vítima e no cidadão honesto. Está na hora de reequilibrar a indispensável proporção entre a gravidade do crime e o cumprimento da pena. Está faltando coragem e sinceridade nesse debate.
Correio Braziliense