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Inácio Pereira Neves Filho
Promotor de Justiça do MPDFT

Goiano puro-sangue não sabe o que é carnaval. No feriado, a gente vai pra fazenda, Caldas Novas ou Aruanã, ou dá uma esticadinha até a pousada "Neves Maciel", em Crixás. No Brasil, carnaval é especialidade de carioca, paulista e nordestino.

Neste carnaval, resolvi radicalizar, indo pra Recife, terra de Natacha e do galo da madrugada. Da praia de boa viagem, junto de painho e mainha de minha amiga, me inteirei do personagem. O "galo da madrugada" é um clube de máscaras do carnaval do Recife que encanta pela sua originalidade e simbolismo. Tornou-se em 2009 patrimônio imaterial de pernambuco e foi reconhecido pelo guinness book como o maior bloco carnavalesco do planeta.

O Galo surgiu em 1978, sem grandes pretensões e com o propósito de fazer renascer o tradicional, espontâneo e criativo carnaval de rua do Recife, então ameaçado pelos clubes e passarelas que, cada vez mais, limitavam, em espaço e participantes, o fazer da folia. No último sábado, o Galo entrou mais uma vez na história com um desfile que, ao homenagear o centenário do eterno rei do baião, Luiz Gonzaga, uniu duas das maiores manifestações culturais musicais de pernambuco: o frevo e o baião, numa festa que reuniu mais de 2 milhões de pessoas.

Passada a folia, todos querem retomar a agenda do dia, desde o gari à presidenta da república. Diferente não é a situação no STF, que começou o ano demonstrando vitalidade em sua atuação, já tendo decidido sobre as atribuições do CNJ e a lei da ficha limpa. Tem pela frente processos de grande relevância para a sociedade, como a validade do sistema de cotas em universidades públicas, a questão do aborto de fetos anencéfalos, a atribuição do MP para realizar investigações e a ação penal do "mensalão".

O que causa espécie na atuação do STF é a vocação de alguns ministros para a concessão de liminar quando no caso posto a julgamento - embora esteja presente o relevante fundamento - não há perigo da demora ou perigo iminente ao impetrante, sendo mais prudente a análise pelo plenário da Corte.

Dentre os vários casos, destaca-se a liminar em que o ministro Marco Aurélio permitiu que o banqueiro Salvatore Cacciola, condenado a 13 anos por crimes de gestão fraudulenta, peculato e corrupção passiva, deixasse a prisão. Nem é preciso dizer que "até as pedras" sabiam que o réu ia fugir para a Itália. Em dezembro último, sua Excelência concedeu liminar limitando os poderes do CNJ para investigar e punir juízes suspeitos de irregularidades, cujo imbróglio só veio a ser solucionado no último dia 2 de fevereiro quando o pleno, por maioria, restabeleceu os poderes de investigação daquele Conselho.

Outra recente liminar um tanto questionável é a que manteve os vencimentos do ex-procurador geral de justiça Leonardo Bandarra e da Promotora Déborah Guerner, ambos do Ministério Público do DF. Os dois promotores de justiça foram afastados do cargo, com perda dos vencimentos, por decisão do CNMP, por envolvimento no "mensalão do DEM de Brasilia" e estão respondendo à ação civil pública de perda do cargo. Respondem, ainda, a processos por crimes de extorsão, violação de sigilo funcional, concussão e formação de quadrilha. A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público é taxativa ao estabelecer que, ajuizada a ação civil de perda do cargo, o promotor ficará afastado, sem vencimento (art. 208, LC 75/93). A despeito disso, no último dia 17 de fevereiro, o ministro Gilmar Mendes - entrevendo ocorrência de insegurança jurídica - restabeleceu liminarmente referidos salários, permitindo que os dois promotores continuem recebendo, mesmo sem estarem trabalhando.

A reflexão que se busca não é sobre a existência ou não do direito reclamado, afinal, o STF, como órgão máximo do judiciário brasileiro, tem mesmo a palavra final quando da apreciação dos pleitos levados a julgamento por aquela Corte. O que se questiona é a celeridade e o caráter liminar atribuídos a processos - principalmente envolvendo os pesos pesados de colarinho branco - cujo deslinde, a priori e por disposição constitucional, poderia ficar a cargo do pleno do Tribunal. Em contrapartida, processos como o do "mensalão do PT" se arrasta por quase 5 anos e, ao que tudo indica, não será julgado em definitivo neste ano, o que poderá permitir que réus fichas-sujas, como José Dirceu, Delúbio Soares e outros 38, fiquem impunes pela prescrição da ação, continuando aptos a assumirem cargos públicos. Tais tipos de decisões singulares têm permitido a permanência na vida pública de políticos do quilate de Paulo Maluf, Jáder Barbalho, Anthony Garotinho, José Genuíno e Waldemar Costa Neto, os quais driblaram, inclusive, a lei da ficha limpa.

Trocando em miúdos: sob o manto do princípio da presunção de inocência e de um garantismo exacerbado e tecnicista, a nossa suprema corte, nem sempre, tem cumprido a contento o seu papel de guardião da constituição e de realizador de efetiva justiça social. É que alguns ministros, descurando-se da equidade que se almeja do cargo que ocupam, têm se comportado como galo da madrugada, numa espécie de plantão em que, numa singular "canetada", decidem sobre graves problemas nacionais - em detrimento de uma análise mais aprofundada pelo colegiado.

Mas, apesar do jocoso trocadilho, pouca semelhança existe entre o personagem carnavalesco do Recife e os plantonistas do STF. O galo da madrugada canta "de seis" da manhã até 5 horas da tarde, mas só no sábado de carnaval. Galináceo de carreira, tornou-se galo por antiguidade, jamais tendo aceitado qualquer pedido de governador, de FHC ou de Lula. Humilde por natureza e desprovido de vaidade, tem boa relação com o Conselho Nacional dos Galos - CNG, em cujo órgão tem assento permanente. Embora possuidor de merecimento, não recebe vencimento e goza de eterna vitaliciedade, prerrogativa que é usufruída com os garnizés e com os fiéis foliões. Já os faisões da suprema corte, em número de 3 ou 4, guardiões que são da CF, estão a postos, não só em época de carnaval, mas a todo tempo. Se preciso for, "cantam de galo" até de madrugada, pouco importando se ocorrer rinha. De carreira ou não, detestam Conselho, sendo do avô o último que ouviram. Não raras vezes, decepcionam milhares de brasileiros, os quais, embora não os tenham escolhidos, são afetados por suas decisões, mas sedentos de verdadeira justiça - missão para a qual foram aqueles designados.

Sugiro que façamos um bloco, não de carnaval, mas de incentivo e torcida para que o trio ou quarteto de sentinela na nossa casa maior de justiça façam escola com o galo da madrugada do Recife. E, enquanto esperamos ansiosamente por este aprendizado, melhor entoarmos o coro: "Ei pessoal, vem moçada! Carnaval começa no Galo da Madrugada".

Diário da Manhã/GO

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