Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Você já ouviu muitas vezes, e talvez tenha até falado outras tantas que, no Brasil, a Justiça deprimentemente só funciona para os três p: pobre, preto e prostituta.
Mas e se eu lhe mostrar um dito em latim que é o seguinte: "Lex est areneae tela, quia, si in eam inciderit quid debile, retinetur; grave autem pertransit tela rescissa"?
A tradução é: "a lei é como uma teia de aranha: se nela cai alguma coisa leve, ela retém; o que é pesado rompe-a e escapa".
Não é mais ou menos a mesma sentença dos três p? Sim, com a diferença de que a latina é mais elegante, de uma analogia mais elaborada.
Só para constar: há controvérsia sobre a origem do ditado, pois é atribuído por um tal de Valério Máximo ao cita Anacársis, mas também pode vir de Sólon ou mesmo de Zaleuco, legislador da Lócrida, na Magna Grécia.
Pessoalmente, simpatizo muito com a tese da origem em Zaleuco, da Lócrida. Mas não tenho nada contra o cita Anacársis. Aliás, vivo confundindo-o com Anaximandro (e este, com Anaxágoras). E também Zenão de Cipro com Aristipo de Cirene. Gregor Samsa com Sam Magruder. A própria Lócrida eu misturo com a Frígia ou então com a Panfília. É fogo.
Voltando ao que interessa, em italiano tem-se que "le leggi sono come le tele dei ragnateli" (as leis são como teias de aranha). Em inglês, "laws catch flies but let hornets go free" (a lei pega moscas mas deixa livres vespas grandes).
Em latim, italiano e inglês vemos a mesma comparação entre lei e teia, e a maneira maviosa como funcionam uma e outra. Portanto, o fenômeno é observado em diferentes épocas e locais, ou seja, em nível mundial e imemorial. Nenhuma novidade ou exclusividade do direito brasileiro atual. Vai ver o problema está no substantivo "direito", não nos adjetivos.
Só para concluir, Macróbio disse que "dat veniam corvis, vexat censura columbas" (a censura perdoa os corvos e ataca as pombas). Mas eu posso estar misturando Macróbio com Juvenal, o que também me acontece direto, quase todas as semanas.
Jornal de Brasília