Ivaldo Lemos Junior

Promotor de Justiça do MPDFT

O direito é plasmado por uma substância psicológica, o querer. Como se trata de um produto artificial, ou seja, feito pelo e para o homem, e nenhum querer reside senão no (vamos chamar assim por enquanto) espírito humano, podemos dizer que a experiência jurídica é toda ela um grande ato de vontade.

Mesmo quando questões relevantes refogem à intencionalidade, como desastres naturais ou acontecimentos fortuitos ou involuntários, suas implicações jurídicas são apreendidas pelos caminhos por vezes misteriosos do teleológico.

Vejam o direito cível. Atos e contratos em geral são pressupostos como válidos se existem maturidade e desprendimento intelectivo que os comandem. No primeiro caso, pelo tema da idade e da sanidade mental, sem o que a plenitude da vida civil fica comprometida. No segundo caso, mesmo se a pessoa for maior e capaz, exige-se que aja de maneira desembaçada do erro e da coação, sob pena de nulidade, ou seja, de um querer que pouco vale, talvez nada.

E o direito penal, então? A noção do dolo requer "vontade livre e consciente" (dolo direto) ou, por equiparação, a assunção do risco de se produzir o resultado lesivo (dolo eventual). Nos crimes culposos, até o não querer, que os constitui, parece ser o termo forte da inspiração do agir.

Mas o que é o querer?

Bem, existe algo que o antecede que são o desejo e o saber. Só posso querer algo que tenho ao menos uma vaga idéia, e que me provoca um mínimo de simpatia.

O desejo participa de nossa existência, da nossa relação englobante com o mundo, seja para aperfeiçoá-lo, seja para destruí-lo; dificilmente será de uma valência próxima da neutralidade. Mas não é essa a diferença específica entre o querer e o desejar.

Em ambos, há uma tendência do sujeito para o objeto, uma tendência de posse. No desejo, o sujeito é passivo: o objeto gravita em torno dele, a fim de ser consumido por ele e morrer nele. Não buscamos o desejo; ele é que vem até nós, mesmo na luta para que morra sozinho e se consuma sozinho.

Jornal de Brasília