Marta Eliana de Oliveira
Promotora de Justiça do MPDFT
A população do Distrito Federal, sem ao menos suspeitar, está exposta a risco imperceptível: o de ser gradualmente envenenada pela queima do óleo diesel utilizado por veículos automotores. Na Capital da República - a 4ª cidade mais populosa do Brasil (depois de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador), Patrimônio Cultural da Humanidade e sede da Copa do Mundo de 2014 -, o óleo diesel comercializado (S1800) é o mais poluente do país, cujos níveis elevados de enxofre (1.800 partículas por milhão - ppm) restringem o uso à zona rural e a cidades do interior.
Esse atentado contra a saúde pública não ocorre nos centros urbanos de porte e em outras cidades do país, algumas das quais bem menos populosas que o Distrito Federal e com menos veículos em circulação. Proporcionalmente, a nossa frota é uma das maiores do Brasil: um veículo para cada dois habitantes (2.570.160 habitantes e 1.263.154 veículos). Tomemos como marco o ano de 2008 - quando eram comercializados dois tipos de óleo diesel: o metropolitano S500 e o interior S2000, com respectivamente 500 e 2000 ppm -, no qual se constatou que seriam descumpridos os prazos do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores - Proconve para início da comercialização do diesel mais limpo S50.
Para minimizar os efeitos do atraso, um acordo perante a Justiça Federal de São Paulo reduziu os níveis de enxofre do diesel interior para 1.800 ppm e previu, a partir de 2009, o uso obrigatório do diesel S50 pelas frotas cativas de ônibus urbanos nos municípios de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte e Salvador, e nas regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas, São José dos Campos, Rio de Janeiro e Baixada Santista. No Distrito Federal e Entorno, entretanto, as frotas de ônibus continuam até hoje a utilizar um diesel que é 36 vezes mais poluente.
A recente Resolução nº 65 da Agência Nacional do Petróleo - ANP, de 09/12/2011, estabeleceu a comercialização exclusiva do diesel S50 a partir de janeiro de 2012 e do diesel S10 a partir de janeiro de 2013, para Fortaleza, Belém, Recife e outros municípios dos respectivos estados, além de São Paulo e Rio de Janeiro.
Tornou obrigatória, já em 2012, a venda do diesel S500 - há muito em uso nas grandes cidades - a municípios menores de Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Sergipe, São Paulo, Santa Catarina e Maranhão, e ainda em todo o Espírito Santo, Piauí e Sergipe. O Distrito Federal foi excluído também desse avanço, que, ao menos, proporcionaria a utilização do diesel metropolitano, 72% menos poluente que o S1800 ainda em uso.
Como no bioma cerrado o período prolongado de estiagem intensa e com incêndios aumenta a presença de material particulado na atmosfera, a situação, já crítica, se agrava. A aspiração do ar poluído provoca doenças respiratórias como bronquite e asma, superlotando o sistema de saúde - de crianças em crise, principalmente. Segundo dados do Laboratório de Controle de Poluição da Faculdade de Medicina da USP, doenças provocadas pela poluição do ar na capital paulista causam, por ano, 4 mil mortes e gastos da ordem de US$ 208 milhões.
Enquanto isso, o diesel destinado à Capital da República, pasmem, continua a ser o S1800 e, a depender dos responsáveis pelo setor, continuará a sê-lo até 2014, quando deverá ser banido do país, substituído pelo S500. Há hoje no Distrito Federal quatro postos que disponibilizam o diesel S50, devido ao fato de seu uso ser obrigatório para os veículos fabricados a partir de 2012.
Não há razões de ordem econômica ou logística que possam justificar o tratamento desigual dispensado ao Distrito Federal, em flagrante violação ao direito que a população tem ao controle da qualidade do ar, essencial à manutenção da saúde e do equilíbrio ambiental. A vida dos brasilienses não é menos preciosa que a dos habitantes das cidades onde se usa um diesel 72% menos poluente que o S1800 e têm as frotas de ônibus abastecidas pelo diesel que é 93% mais limpo que o utilizado pelos ônibus em circulação no Distrito Federal. A saúde pública da capital do Brasil exige que se ponha um fim imediato a esse disparate.
Correio Braziliense