Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça  do MPDFT

Entre primatas superiores, existe uma prática chamada de “grooming", que consiste em catar piolhos ou pulgas da pelagem uns dos outros. Por que isso é feito? Primeiro, por motivos higiênicos, vale dizer, para livrar um companheiro de selva ou cativeiro (caso vivam livres no habitat natural ou confinados em ambiente artificial, como zoológico e/ou centro de pesquisa) de parasitas de que não precisa e que só provocam coceiras ou infecções de pele.

A segunda razão é mais complexa. O “grooming” se presta a estabilizar relações sociais, porquanto primatas individualmente considerados não podem prescindir de ter atenção para com os demais, e de abrir mão de conveniências em nome de um tempo que, quando emprestado, é rigorosamente um desperdício inútil.

Portanto, o “grooming” também é válido para tramar a teia da convivência entre os componentes do grupo, e transmitir mensagens cuja reciprocidade nós, humanos, chamamos de familiares, políticas e, indo um pouco mais além, jurídicas.

O jogo é mais complicado do que possa parecer a um olhar desavisado que, na brutalidade do fato em si, mostra dois “macacos” desocupados se coçando. Mas quem faz em quem; por quanto tempo; se em machos entre si ou se envolvem fêmeas, no estro ou não; se as sessões se intensificam em períodos de maior tensão ou quando os grupos aumentam ou diminuem de tamanho – tudo isso é objeto de alterações para aquilo que o “grooming” significa, o que não tem uma relação direta com a quantidade de piolhos sobrando.

Não dá para falar em “invenção” da palavra, o que seria tão inapropriado quanto fixar o dia em que deixamos de ter tantos pêlos espalhados pelo corpo. Nossos chumaços capilares se concentram na cabeça e em outras partes que podem sim ser focos de piolhos. Mas foi a palavra, a falada e depois a escrita, que nos desobrigou dos trabalhos manuais e suas graves limitações: afinal, podemos fazer grooming em no máximo duas pessoas, enquanto que com o discurso podemos atingir até bilhões ao mesmo tempo.

Jornal de Brasília