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Leonardo Roscoe Bessa - Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor
Walter José Faiad de Moura - Advogado, 1º Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon)

O que o principio da isonomia tem a ver com a discussão relativa à possibilidade de se estabelecerem preços diferenciados para os consumidores que, ao invés do uso do cartão de crédito, optam pelo pagamento à vista?

O aludido principio está inserido entre os direitos e garantias fundamentais constitucionais. Estabelece o art. 5º da Carta Magna: todos são iguais perante a lei. Nasceu para amparar o cidadão em relação ao Estado, mas, ao longo do tempo, por obra da doutrina e da jurisprudência, passou a amparar as relações privadas no âmbito da discussão da eficácia horizontal dos direitos fundamentais (Drittwirkung).

Não é apenas o Estado que está em posição de oferecer tratamento discriminatório aos cidadãos. É sensível o poder social que as empresas possuem, particularmente no mercado de consumo. Não é por outro motivo que o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) declara, no seu art. 6º, II, ser direito básico do consumidor “a igualdade nas contratações”.

Embora nem sempre lembrada, a igualdade nas contratações deve ser invocada para solucionar questões recorrentes e relevantes. Afinal, pode o fornecedor argumentar que é livre para discriminar o consumidor e dispensar tratamento desigual? Em quais condições esse tratamento é legítimo? É possível cobrar preços diferenciados para homens e mulheres para ingressar em determinada boate? É possível recusar pagamento ao consumidor que possui cheque de outra praça e aceitar os cheques de consumidores da mesma praça? É legítimo estabelecer taxas diferenciadas de juros, beneficiando o consumidor que possui um bom histórico de crédito? É possível estabelecer preços diferenciados de aparelhos celulares para novos consumidores em relação há clientes antigos?

Os questionamentos indicam a importância do debate. A exigência de igualdade nas contratações, além de expressa na Constituição Federal e no CDC, está prevista na nova Lei Antitruste (Lei 12.529/2011, art. 36, X c/c o caput). É lição antiga, ressaltada por Rui Barbosa, que o princípio da isonomia significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais: “Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.” A ofensa à isonomia ocorre, muitas vezes, quando se oferece tratamento igualitário para pessoas que estão em condições diversas. O fornecedor pode diferenciar consumidores desde que o fator de discriminação seja justificável e proporcional.

Pode o comerciante oferecer preço diferenciado para o comprador que efetua pagamento à vista? O tema não é novo. A jurisprudência oscila. Alguns órgãos de defesa do consumidor e as entidades representativas das emissoras de cartão de crédito defendem a obrigatoriedade de igualdade dos preços. A mídia noticia que o Banco Central pretende entrar no debate para permitir a concessão de desconto em favor do consumidor que paga à vista.

Analisando com cautela a questão, conclui-se que defender a isonomia não significa tornar obrigatória a cobrança do mesmo valor para formas de pagamento diferentes. É de conhecimento de todos que quando determinado comerciante, aceitando pagamento por cartão de crédito, vende uma mercadoria por R$ 100,00, por exemplo, ele só receberá o valor de 30 a 40 dias depois da data da compra e ainda com a diminuição de aproximadamente 4%. Em outros termos, o preço, além de ser recebido em data posterior, sofre redução, no caso, de pelo menos R$4,00. Verifica-se, matematicamente, que há um decréscimo dos valores recebidos pela venda da mesma mercadoria para quem paga à vista e para quem paga por meio de cartão de crédito. Logicamente, o destinatário dos R$ 4,00 não é o comerciante, mas quem administra o cartão de crédito e, consequentemente, se não fosse o cartão de crédito, a mercadoria poderia ter o preço de R$ 96,00.

Ao ser exigido que os preços sejam iguais, os fornecedores, para não perderem a margem de lucro, realizam a majoração geral dos preços em valor próximo ao que deixaram de ganhar com as vendas mediante cartões de crédito. Em outros termos, quem fornece produtos e serviços, para não sofrer redução dos ganhos decorrentes das vendas com cartão de crédito, se vê obrigado a compensar esse custo com todos os demais consumidores, tanto os que pagam à vista como os que pagam com cartão. Resultado: a) mesmo nas vendas à vista, o fornecedor acaba tendo de cobrar de quem não usou o cartão de crédito um custo inexistente; b) consumidor que não possui cartão — em regra, pessoas de menor renda — acaba pagando mais caro pelos produtos para beneficiar os titulares de cartão — em regra, consumidores de maior renda; c) os preços finais dos produtos e serviços são nivelados para cima (com o percentual do cartão já embutido), mesmo que determinada venda seja ou não feita com esta forma de pagamento; quem não usa cartão de crédito acaba pagando sobrepreço injustificado.

Portanto, a defesa da tese de necessidade de equiparação de preços não significa a manutenção de vantagens para a coletividade de consumidores, embora pareça ser benéfica para o consumidor (que possui cartão de crédito) sob o aspecto individual. Todavia, é importante compreender que a defesa dos consumidores passa pela incessante busca de pagar pelos produtos e serviços um preço justo, sem acréscimos ou custos artificiais ou injustificados, exatamente para equilibrar a relação com os fornecedores.

Correio Braziliense - Direito & Justiça

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