Promotor de Justiça Antonio Suxberger
A Lei Complementar 101 (LCP 101) “estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal”. A Lei de Responsabilidade Fiscal traz seção específica para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Da Constituição colhemos que a LDO “compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento” (§ 2.º do art. 165).
O projeto de LDO, de iniciativa do Poder Executivo, traz um Anexo de Metas Fiscais, com destaque ao seguinte: “demonstrativo das metas anuais, instruído com memória e metodologia de cálculo que justifiquem os resultados pretendidos, comparando-as com as fixadas nos três exercícios anteriores, e evidenciando a consistência delas com as premissas e os objetivos da política econômica nacional” (inciso II do § 2.º do art. 4.º da LCP 101).
Os meandros técnicos de elaboração da LDO costumam ser enfadonhos para os profissionais do Direito em geral. Mas há, nesse ponto, curiosa exegese (in)constitucional, reafirmada pela notícia de aprovação da LDO para o ano de 2013. O projeto de LDO para o ano de 2013, já aprovado pelo Congresso Nacional, excluiu a previsão de reposição das perdas inflacionárias para os subsídios da Magistratura e do Ministério Público da União. A par das considerações a respeito de atual política salarial para os agentes políticos do Estado (ou a ausência dela) e a determinação constitucional de “revisão geral anual” dos subsídios (art. 37, inc. X, da CF/1988), certo é que os subsídios dos membros do Ministério Público da União (MPU, MPF, MPT e MPDFT) e do Poder Judiciário da União não são reajustados desde a edição das Lei 12.041 e 12.042, ambas de 2009.
A justificativa para essa exclusão – apesar do encaminhamento realizado pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Procurador-Geral da República – foi, juridicamente, a necessária adequação ao “Anexo de Metas Fiscais”, elaborado unilateralmente pelo Poder Executivo, para fins de atendimento à política econômica nacional.
O STF analisou a constitucionalidade desse dispositivo legal, quando do julgamento da Medida Cautelar pleiteada na ADI 2.238 em 2007. No extenso acórdão de 210 laudas, a ementa registra o seguinte: “O inciso II do § 2º do art. 4º apenas obriga Estados e Municípios a demonstrarem a viabilidade das metas programadas, em face das diretrizes traçadas pela política econômica do Governo Federal (políticas creditícia e de juros, previsões sobre inflação, etc.), o que não encontra óbice na Constituição”. Já se vão 12 anos de vigência da LCP 101/2000 e a pergunta que se faz é: a autonomia e independência dos Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, tem sido observada (art. 2.º da CF/1988)?
Anualmente, Tribunais e Ministérios Públicos negociam a inclusão, nas LDOs, de previsão compatível com o dever constitucional de revisão geral anual dos subsídios de seus agentes políticos. É “barganha” vergonhosamente frustrada. Vê-se uma imposição, de natureza tecnocrática, aos ditames próprios de um mitigado autogoverno das instituições fixado pela Carta Política. A autonomia funcional e administrativa, inclusive com iniciativa legislativa a respeito de política remuneratória, assegurada ao Judiciário e ao Ministério Público (artigos 99 e 127, § 2.º, da CF/1988), tem sistematicamente cedido aos ditames de uma “política econômica nacional” (texto legal) pouco clara e nada discutida com a categoria do funcionalismo público em geral.
Na mencionada ADI, o STF limitou-se a afirmar que “o dispositivo não obriga os entes federados à reprodução da política econômica nacional, exigindo, tão somente, a demonstração da viabilidade das metas programadas, em face das diretrizes traçadas para a política econômica pelo Governo Federal no mesmo período, como, v. g., as alusivas à políticas creditícia e de juros, previsões sobre a inflação, etc., o que é coisa diversa, não encontrando óbice na Constituição” (sic – excerto do voto proferido pelo Relator Ministro Ilmar Galvão – ADI 2.238). Ajuizada em 4/7/2000, a ADI ainda aguarda julgamento definitivo.
Os processos de aprovação das LDOs nos últimos anos tem demonstrado o desacerto dessa expectativa do STF. Na prática, a LCP 101 concretizou o temor desvelado na sua edição. Em lugar de um diploma moralizador, de efetiva responsabilidade fiscal ao Estado brasileiro, tem servido ao menoscabo do necessário diálogo político maduro e responsável, dirigido e orientado por balizas fixadas constitucionalmente. A chamada meta fiscal, em verdade, oculta a desvalorização dos agentes políticos responsáveis pela realização última do próprio Estado.
Direito & Justiça - Correio Braziliense