Fabiano Mendes da Rocha
Promotor de Justiça no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
É postulado constitucional o dever jurídico-social do Estado de viabilizar o acesso às políticas públicas qualificadas como prerrogativas constitucionais deferidas a todos, impondo ao Poder Público o adimplemento dessa obrigação.
As políticas públicas constitucionais, como direitos fundamentais de segunda geração, exprimem uma exigência no plano do sistema jurídico-normativo, qual seja, a solidariedade social com a intromissão dos preceitos de dignidade da pessoa humana e cidadania. Por isso, o Estado tem um débito a saldar com a coletividade (Direito de Crédito) mediante a concreta efetividade das políticas públicas de alto significado social e indiscutível valor constitucional - prestação positiva, sob pena de caracterizar-se inação pública e pleno menosprezo do compromisso constitucional.
Tal ônus reside, originariamente, no Poder Legislativo e no Poder Executivo. Destaca-se, contudo, que o Poder Público não dispõe de um amplo espaço de discricionariedade que lhe outorgue uma ilimitada liberdade de atuação mas, ao contrário, há uma limitada discricionariedade estatal em tema de efetivação de políticas públicas constitucionais - educação, saúde, segurança, cultura, meio ambiente...
Na verdade, há uma circunstância juridicamente vinculante para o governante, que deve prioritariamente efetivar políticas públicas constitucionais, com o mínimo existencial garantido, pois, é de se reconhecer que a discricionariedade foi realizada pelo próprio Constituinte.
Por imperativo constitucional, o Ministério Público, órgão defensor do interesse social, da ordem jurídica e do regime democrático, está legitimado a pleitear junto ao Poder Judiciário que emita norma jurídica individualizável para o caso concreto e, assim, está ele - Ministério Público - autorizado constitucionalmente a se imiscuir na
concretização de políticas públicas sociais em situações de patente inércia estatal. Por sua vez, insiste o Poder Público em deixar de concretizar os preceitos constitucionais, tornando-os, assim, inoperantes e inexeqüíveis, abstendo-se, dessa forma, do dever imposto pela Carta Magna, com inequívoco comportamente de violação negativa do texto maior.
A referência de decisão judicial como norma jurídica individualizada, como cediço, está em Niklas Luhmann, que abandona as bases do Estado Liberal, fazendo prevalecer o pós-positivismo que caracteriza a atual Jurisdição Constitucional, impondo ao juiz o dever de compreender as particularidades do caso concreto e, com base na norma abstrata e geral, de emitir uma decisão conforme as disposições e princípios constitucionais, construindo para o caso concreto a norma jurídica (= norma legal conforme a Constituição Federal), sobre ela exercendo o controle de constitucionalidade e a regra do balanceamento dos direito fundamentais.
Legitima-se, dessa forma, a concretização da dimensão política da jurisdição constitucional em tornar efetivo os direitos fundamentais quando negados pela inaceitável inércia governamental, que compromete o próprio caderno de encargos constitucionais e, assim, ofende os princípios e a eficácia e a integridade dos direitos individuais e coletivos.
Não se ignora, ainda, a questão da reserva do possível. A necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do mínimo existencial. A liberdade de conformação do Estado, em tema de implementação de direitos assegurados pelo próprio texto constitucional, está vinculada ao postulado da supremacia da Constituição.
Tais preceitos expostos estão em perfeita harmonia com a concepção de novo modelo estatal, que tem como valor-fim a justiça social e a cultura, numa democracia pluralista exigida pela sociedade de massas do século XX (Pinto Ferreira) e, por isso, o Ministério Publico atua constitucionalmente para determinar ao Poder Público que salde o seu débito, isto é, a prestação positiva dos valores inerentes à dignidade da pessoa humana e cidadania, como é o caso das políticas públicas sociais-constitucionais.
Jornal de Brasília