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Inácio Neves Filho
Promotor de Justiça do MPDFT

Na primeira parte deste ensaio (publicado ontem), discorri sobre palavras cuja utilização continuada com um determinado significado acaba por erigir como absoluto determinados conceitos, relegando a plano inferior a essência do que verdadeiramente significam. Afirmei que “inteligência” é uma dessas palavras que tem se pautado com grande equívoco quando se propõe a definir grau de importância ou de sucesso de alguém, seja na vida pessoal ou profissional.

Anotei que para desempenhar sabiamente qualquer função, mais do que inteligência, é necessário esforço, dedicação, persistência, motivação e serenidade, uma vez que a excelência dos serviços prestados à sociedade tem mais a ver com um princípio maior, não escrito nem normatizado, impregnado na alma do bom profissional – a sabedoria. Sabedoria não é sinônimo de erudição, conhecimento filosófico ou científico, mas, a aplicação inteligente da grande soma dos conhecimentos adquiridos.

Naquele texto, dirigi-me aos profissionais da área da saúde, em especial aos médicos, me comprometendo a uma análise crítica sobre a atuação dos promotores de justiça, o que passo a fazer, iniciando com a seguinte indagação: Será que os membros do ministério público brasileiro tem atuado com habilidade e eficiência de modo a trazer a paz social e a justiça, as quais configuram a razão maior do direito? Ou estão agindo apenas como aplicadores frios da lei, sem colocar em primeiro plano o bem estar da coletividade? Ser promotor de justiça é uma missão das mais árduas, porém bastante gratificante, ultrapassando, em muito, a idéia de que seja mero servidor público. Para cumprir seu desiderato constitucional deve o promotor dar o melhor de si, dedicando todo o seu tempo, conhecimento, experiência e valores morais que possui, em prol da realização de efetiva justiça.

Entretanto, em que pese a rigidez dos concursos para ingresso na carreira, a atuação prática nem sempre tem alcançado o chamado “espírito da lei”. Não há dúvida de que os promotores, em sua maioria, possuem alto conhecimento jurídico e conduta ilibada. Mas, isso não é tudo. Nem sempre esses profissionais do direito possuem formação humanística que os capacitem a exercer tão importante múnus, o que vem em prejuízo da distribuição de uma justiça qualitativa.

Alguns desses colegas, impregnados que estão de uma cultura tecnicista, optam por cultuar célebres arrazoados, cuja roupagem formalista que imprimem, acabam por entulhar de processos os labirintos dos tribunais; em detrimento de uma atuação mais célere e informal - com ganhos para a coletividade. Me refiro aos recursos, conflitos de competência e de atribuição, laudos e perícias, além de vários outros instrumentos jurídicos processuais que, por vezes, podem ser dispensados. Outros mais, esmeram-se no mestrado ou doutorado que possuem e, ao invés de aplicar o profundo conhecimento adquirido apenas quando imprescindível, esbajam-o rotineiramente nas peças processuais, numa espécie de auto-afirmação; em prejuízo de uma justiça ágil, real e objetiva – que é o que interessa ao jurisdicionado.

Logicamente que em determinadas áreas de atuação judicial a própria lei, para maior segurança na busca da justiça, cerca o processo de determinado formalismo, o que é perfeitamente compreensível e necessário. Mas, há uma infinidade de área de atuação cuja otimização do trabalho está exatamente na oralidade, simplicidade, informalidade, celeridade, economia processual e no espírito conciliatório imprimidos ao processo pelo promotor, pelo juiz, ou por ambos. Vários são os dispositivos legais, tanto no procedimento cível, como no criminal, que permitem a intimação, por telefone, de testemunha, da vítima e até do acusado, inclusive, com condução coercitiva em caso de não comparecimento. Se essas práticas fossem adotadas como regra no dia-a-dia e se, em comum acordo, juiz, promotor e advogado eliminassem uma centena de formalismos desnecessários (o que é perfeitamente possível e previsto em lei), vários atos, audiências e julgamentos não seriam adiados - como rotineiramente acontece – e a prestação jurisdicional seria mais efetiva.

Já não basta o posicionamento excessivamente garantista adotado por parcela considerável de promotores, adeptos incondicionais que são do princípio da presunção de inocência – postulado que levam a “ferro e fogo”-; distanciando, cada vez mais, de princípios outros, de garantia da sociedade como um todo, como é a prisão preventiva do acusado. Ora, não há dúvida de que a prisão preventiva, presentes que estejam seus requisitos, constitui providência extremamente necessária, não só à pacificação social, mas acima de tudo, por inculcar mensagem positiva de efetivo cumprimento da lei e realização da justiça. Mas, o que se vê atualmente é a prisão cautelar ceder lugar, cada vez mais, à indiscriminada liberdade provisória dos acusados. E o que é mais grave: com a complacência do promotor de justiça que, dia após dia, tem assumido papel de garantidor supremo da liberdade do réu, ocupando posição que, por disposição constitucional, é típica da Defensoria. Esse garantismo em favor da não-prisão cautelar do acusado, a meu ver, acaba por fomentar a criminalidade e consequente impunidade já que, em numerosos casos, quando da condenação definitiva, já ocorreu a prescrição do crime. Não se trata aqui de defender o chamado “movimento da lei e ordem”, pois é inquestionável que o sistema de justiça criminal brasileiro encontra-se totalmente obsoleto, reclamando urgência na adoção e priorização das penas e medidas alternativas.

Fato é que, para a prestação de um trabalho de qualidade à sociedade, não basta conhecimento, mesmo que profundo, em sua área de atuação. A questão é, muito mais, de conteúdo, que de forma; de justiça, que de direito; de coração, que de razão; de bom senso, com ética, que de rigidez, com insensatez. E isso vale pra todas as profissões e pra tudo na vida. É preciso que ajamos com sabedoria. Sabedoria que não se confunde com inteligência. Assim como Roberto Shinyashiki em “a carícia essencial” põe em relevo a psicologia do afeto, penso que em nossa atuação profissional também é possível cultivarmos uma “sabedoria essencial” - ainda não apreendida por cada um de nós.

Diário da Manhã

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