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Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

 “Gabriela, Cravo e Canela”, de Jorge Amado, é uma obra fictícia. “Um certo capitão Rodrigo”, de Érico Veríssimo, é também uma obra fictícia. Mas a segunda é mais fictícia do que a primeira.

É que “Rodrigo” é ambientado em uma cidade inexistente, Santa Fé, no Rio Grande do Sul, enquanto “Gabriela” se passa na real Ilhéus, Bahia, que Jorge Amado conheceu muito bem.

 

Além disso, o enredo de “Rodrigo” não é contemporâneo de seu autor, pois tem início várias décadas antes de seu nascimento, o que não acontece com “Gabriela”, em cujos fins da década de 1920 Jorge estava na flor da idade.

Em outras palavras, o baiano teve uma percepção espácio-temporal direta do ambiente de seu romance, o que, nesse aspecto, lhe exigiu menos imaginação do que seu colega gaúcho, embora isso não necessariamente implique a superioridade do trabalho deste sobre o daquele.

É óbvio que se eu quiser escrever um conto que se desenvolvesse na Brasília dos anos 90, terei mais facilidade do que se a história acontecesse em Istambul (onde nunca estive), 600 anos atrás (quando não poderia ter estado).

Mas em uma coisa as ficções de “Gabriela” e “Rodrigo” assumem um compromisso tácito, que é o escrúpulo que o gênio da criação deve a dados da realidade.

Isso significa que os personagens das tramas poderiam fazer o que seus autores bem desejassem, mas até certo ponto. Por exemplo: Nacib não poderia fechar seu bar Vesúvio porque na véspera havia caído uma nevasca e Ilhéus estava intransitável. Já o capitão não poderia ter chegado em Santa Fé dirigindo uma moto ou com uma camisa do Grêmio.

É nos costumes que as obras literárias valem à guisa de tesouro, seja como testamento (no caso de Rodrigo), seja como testemunho (no caso de Gabriela). Nenhum de nós era adulto na época dos dois livros e tem certeza absoluta – ou seja, por experiência própria – sobre a precisão dos hábitos ali retratados. Essa certeza, se existir, é acessível por informações de terceiros, pela via de outros livros e outras fontes.

Jornal de Brasília

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