Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Um episódio emblemático na história das ciências vem da antropologia física, e é uma farsa conhecida como “O homem de Piltdown”. Digo que se trata de uma farsa não por ser criacionista, mas porque a conclusão é absolutamente unânime. Há muitos anos ninguém leva o tema a sério, a menos que se queira ser ridicularizado ou trancafiado em um hospício.
Em 1912, na Inglaterra, um cientista amador por nome Charles Dawson encontrou um fóssil com características totalmente diferentes das conhecidas até então. O cérebro era grande, de formato humano e bem mais próximo do Homo Sapiens do que do Erectus (ou seja, era moderno). Já a mandíbula era conspicuamente simiesca, com dentes caninos pronunciados, mas ao mesmo tempo com os molares lisos.
Tratava-se, portanto, de um homem com cara de macaco, mas de boa cepa, pois vivia perto de Londres, o centro da civilização em geral e da antropologia em particular. Melhor que isso, só se estivesse jazendo dentro de um terno de risca de giz, chapéu coco, e com uma xícara ao lado, que só poderia ser de chá.
O exemplar foi reconstituído por um professor respeitadíssimo, Sir Arthur Keith, que lhe deu o nome científico clássico, composto de duas palavras em latim: “Eoanthropus dawsoni”. Apesar de os métodos de datação da época serem rudimentares – para não dizer que eram puro “chute” –, o achado foi considerado genuíno e antigo de centenas de milhares de anos.
O mesmo Sir Arthur Keith que atestou a autenticidade do homem de Piltdown foi quem desconsiderou o “bebê de Taung” de Raymond Dart como a descoberta – hoje tida como pioneira e consensual – do “australopithecus africanus”. Afinal, era melhor um inglês macacóide do que um africano qualquer.
Dart ganhou o apoio de duas figuras importantes, o genial mas controvertido Robert Broom e W. J. Sollas (este, mais por motivos pessoais). Mas a fina-flor da comunidade rejeitou o bebê de Taung e apoiou o homem de Piltdown: outro Sir Arthur, este Smith Woodward, e outros. Prossigo nas sequências.
Jornal de Brasília