Rose Meire Cyrillo
Promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
Não obstante as mudanças trazidas pela Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, constata-se que, passado mais de um ano de sua vigência, os avanços no trato da questão da violência doméstica contra a mulher foram pequenos.
No Distrito Federal criou-se uma imensa expectativa quanto ao tema em razão de ser o primeiro ente da Federação a criar e instalar o Juizado Especial de Combate à Violência Familiar e Doméstica contra a Mulher, em 23 de setembro de 2006, nos moldes dos artigos 1º e 14º da Lei 11.340/2006.
Esta salutar solução vigorou pouco tempo. Em 12 de março de 2008, através da Resolução 001/2008 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), os Juizados Especiais Criminais de Brasília receberam a incumbência de apreciar e julgar, além dos delitos referidos no art. 61 da Lei 9.099/95, também os referentes na Lei Maria da Penha. Houve uma cumulação de atribuições, transformando-se os antigos Juizados em Juizados Especiais Criminais e de Violência Doméstica e Familiar de Brasília.
Sem querer adentrar às questões de política interna que levaram a tal junção, não se pode deixar de reconhecer e discorrer sobre os reflexos negativos da mesma, no âmbito do combate à violência contra a mulher e na própria seara do Juizado Especial Criminal.
É oportuno destacar que os Juizados Especiais Criminais tornaram-se, nas últimas décadas, os "receptores universais" de todos os delitos de menor potencial ofensivo, independentemente do grau de lesividade da conduta delituosa ou da especificidade da matéria. Em outras palavras, no Juizado faz-se uma "clínica geral", trata-se de
questões (delitos) de trânsito, meio ambiente, consumidor, erro médico, entorpecentes, contravenções penais, abuso de autoridade, ordem tributária, economia popular, imprensa, propriedade intelectual, idoso, criança e adolescente entre outros e, agora, os crimes praticados com violência doméstica contra a mulher.
A celeridade esperada na tramitação dos termos circunstanciados, em razão da informalidade e simplicidade do rito processual previsto na Lei 9.099/95, não ocorreu. Pelo contrário, em razão dos sucessivos alargamentos de competência dos Juizados Especiais Criminais, tem-se presenciado uma avalanche de processos e lentidão na resolução dos casos. Muitos termos circunstanciados demoram mais de seis meses para serem enviados ao Poder Judiciário, o que compromete a efetividade da prestação jurisdicional.
Com a atual transformação dos Juizados Especiais Criminais de Brasília em Juizados Especiais Criminais e de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, houve um agravamento desta caótica situação, além de um visível retrocesso no trato da questão da violência doméstica. Não se levou em conta que o próprio legislador
ordinário, ao atribuir a competência para apreciação e julgamento dos crimes cometidos com violência doméstica às Varas Criminais enquanto não fossem criados os Juizados de Violência contra a Mulher, buscou marcar o repúdio à forma de como tais crimes vinham sendo tratados no âmbito dos Juizados Especiais Criminais. Esse desiderato foi ignorado quando da edição da Resolução 001/2008 do TJDFT.
Da mesma forma, desconsiderou-se o fato de que juízes, promotores de Justiça e defensores públicos que atuam perante os Juizados Especiais Criminais tendem a tratar as questões envolvendo violência doméstica – Lei 11.340/2006, da mesma forma que tratam as referentes à Lei 9.099/95, não obstante a vedação do artigo 41 da Lei
Maria da Penha. Esperar que o operador do Direito seja, ao mesmo tempo, pacificador e facilitador da justiça consensuada e implacável ativista do rigorismo penal da Lei Maria da Penha é desconhecer as nuances da natureza humana.
Diante de tal quadro, não é demais afirmar que o colapso pelo qual passam os Juizados Especiais Criminais de Brasília refletirá diretamente na qualidade da prestação jurisdicional a ser entregue ao cidadão, além do que, sua atuação simbólica no tocante à Lei Maria da Penha contribuirá de forma decisiva para a ineficácia do referido diploma legal.
Jornal de Brasília