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Ivaldo Lemos Júnior
Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

1) A moralidade exige decisões, ou seja, tomadas de atitude diante de casos concretos – exemplo clássico: dar esmola – o que requer raciocínio, percepção, memória, projeção de conseqüências, responsabilidade e até sacrifício. A reflexão sobre casos abstratos (imaginários), ou casos concretos já passados, não está no âmbito da moralidade, mas no estudo desta, a Ética ou Filosofia Moral. A Ética é importantíssima porque ajuda o indivíduo no entendimento mais amplo e na tomada mais apropriada de decisões morais; os dilemas da vida real se colocam a todo o instante, inclusive de modo inesperado, e quanto mais prevenido o sujeito estiver, tanto melhor. Muitas vezes o que se faz é fugir das decisões: é um alívio quando abre o sinal antes que o pedinte bata no vidro do seu carro, o que o poupa da dúvida entre dar ou não a esmola.

2) Não existe uma única alternativa de decisão (ou "posição", como preferem alguns estudiosos) moral, e sim algumas ou muitas, com grandes chances de serem parcial ou totalmente contraditórias. Você pode nunca ter lido um único livro sobre o assunto – e o pedinte bate nos vidros dos carros sem nenhum preconceito e discriminação a esse respeito – e tenha que se safar pelo que a intuição lhe sugerir no calor do momento. Seja como for, de modo grosseiro ou elaborado, a moralidade é sempre pessoal, isto é, não pode ser transferida e, muitas vezes, nem mesmo adiada.

3) Se a moralidade é uma decisão que se toma em uma situação real, na qual você é o único juiz, é necessário que se tenha liberdade suficiente para fazê-lo. Do contrário, não seria rigorosamente uma decisão. Você pode dar R$ 2 ao pedinte, ter a impressão gratificante de que agiu bem, ao custo, porém, de ter ficado um pouquinho mais pobre, ter tocado em sua mão imunda, ter ouvido um agradecimento surrado e constrangedor. Você também pode fechar o vidro, fingir ignorar sua presença ou dizer não com o dedo, ao risco, contudo, de se sentir uma pessoa mesquinha. Mas, sem a chance mínima de fazer escolhas, não há que se falar em moralidade, daí porque esta é um dos exercícios da liberdade. A liberdade só se torna obrigação pela via da moralidade. Por isso se diz: “Sou forçado a ser livre”.

4) Nem sempre é fácil se definir se há, realmente, liberdade, e quais seriam os seus limites, digamos, respiratórios. A questão do "livre arbítrio" tem uma função dogmática muito mais pronunciada do que consistência filosófica.

5) Decisão e custo pessoal são avaliações possíveis diante de um substrato normativo que os pressupõem. A moralidade requer sistemas (exemplo: cristianismo), que são compostos de princípios (amar ao próximo), por sua vez detalhados em regras (não roubar, dar esmolas). E tudo é absorvido pelo sujeito em um grau de voluntariedade que, com a experiência, passa a gerar espontaneidade e automatismo. A internalização da norma faz o sujeito moral tomá-la por sua, a ponto de lhe causar arrependimento em caso de desrespeito. Ninguém sente remorsos por descumprir algo que considera injusto.

6) A norma moral, embora esteja ligada à idéia do "sub specie eternitatis" (sob o crivo da eternidade), ou seja, da pretensão de validade universal, não pode prescindir das circunstâncias e detalhes específicos de sua aplicação. Posso querer, sinceramente, dar esmola, mas não ter nem um centavo na hora, ou recear que o mendigo seja
um assaltante.

7) Toda conduta moral diz respeito à atividade de ajudar outra pessoa ou à postura de não prejudicá-la. No fundo, são questões que se implicam. Se mato alguém por afogamento (supondo que esse ato seja imoral; por ex., um nazista fazer isso com um judeu não é um ato imoral. Ao contrário, o errado seria não colaborar com o ideal de purificação da raça humana) ou se não salvo uma pessoa que está se afogando, de um jeito ou de outro, estou prejudicando-a. Homicídio e omissão de socorro têm penas distintas, mas a diferença é uma questão de grau, porque ambas são condutas que pertencem igualmente ao gênero do ilícito.

Em breve oportunidade, falarei sobre a chamada moralidade administrativa, em um artigo dividido em três partes, intitulado "A natureza jurídica do ciúme".

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