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Paulo José Leite Farias
Promotor de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística do MPDFT

Do ponto de vista filosófico, a questão dos direitos dos animais encontra raízes na teoria utilitarista de Bentham, que postulava no sentido de que, embora possam divergir do interesse do ser humano, os interesses dos animais devem ser igualmente respeitados. Assim, também se baseava na convicção de que os animais são entes sensitivos capazes de sofrer. Outrossim de que há obrigações recíprocas entre homens e animais. Esses princípios foram expressos, mais recentemente, pelo filósofo australiano Peter Singer, em Animal Liberation. Para Singer, o “princípio da igualdade” (na sua concepção de não discriminação) dos seres não se restringe aos humanos; trata-se de obrigação de como se devem tratar os seres em geral como merecedores de iguais preocupações. Em resumo, para Singer, há paralelo entre o racismo, a discriminação sexual e o antropocentrismo, por isso sua obra está centrada na “libertação dos animais da dominação humana” (Animal liberation). Nesse sentido, Singer afirma que o uso de animais em experiências clínicas e em testes de produtos constitui contradição lógica: julgamos aceitável sujeitar os animais a experiências dolorosas que não infligiríamos aos seres humanos porque os animais não são iguais a nós, mas, por outro lado, consideramos essas experiências cientificamente válidas porque os animais são iguais a nós.

Inicialmente, deve-se observar que a falta de personalidade, em si, não prejudica, substancialmente, a proteção jurídica dos seres vivos em geral. A colocação dos animais na categoria jurídica de objetos (coisas) no Código Civil brasileiro, art. 82 não inibe a proteção jurídica como meio de relações jurídicas suscetíveis de valoração humana. Corroborando a assertiva, no âmbito do direito comparado, expressiva é a decisão da Suprema Corte Americana (case Sierra Club v. Morton). Nessa decisão histórica, não obstante, o voto minoritário em separado do Justice Douglas, a Suprema Corte protegeu o Mineral King Valley dos esforços da Walt Disney Corporation de construir estação de esqui na região, não porque o ecossistema “em si” tinha direitos a serem protegidos, mas sim porque os membros da organização não-governamental (ONG) americana Sierra Club (homens) tinham interesses a ser preservados na utilização daqueles ecossistemas, ao realizarem escaladas e caminhadas recreativas naquele local. Destarte, a proteção ambiental, no consagrado julgamento da Suprema Corte Americana, pode ocorrer ainda que com fundamentos antropocêntricos.

Por outro lado, faz-se mister destacar a dissonância histórica entre ser “humano” e personalidade, ocorrida na época da escravidão, em que negros eram “coisas” ligadas erga omnes a seus proprietários e passíveis de serem reavidos a qualquer momento. Exemplo famoso da diferenciação jurídica mencionada entre ser humano e personalidade, pode ser lembrado no caso Dred Scott (Dred Scott v. Sandford, 1857) no qual a Suprema Corte Americana decidiu (por sete votos a favor e dois contra) que o homem negro e a sua família eram ainda escravos e não cidadãos livres (não tinham, pois personalidade).

Outro aspecto relevante refere-se à questão da capacidade de exercício (personalidade) e à questão da capacidade de fato (capacidade stricto sensu). A eventual concessão de personalidade aos animais, por exemplo, não se mostra vedada pela impossibilidade de sua atuação efetiva no mundo jurídico (capacidade de exercício). A representação supre tal problemática do mesmo modo que o alienado mental pode ser representado para exercer seus direitos.

Por fim, conforme ensina a dogmática já analisada, os direitos ao meio ambiente saudável, por serem difusos, sem personificação determinada, não sendo de ninguém, podem e devem ser protegidos para o bem de todos (art. 225 da Constituição Federal). Onde o termo “todos”, poderia englobar, não só os homens, mas também, com uma mudança de postura filosófica e jurídica, os seres vivos em geral. Contudo, as correntes doutrinária, legal e jurisprudencial predominantes na ciência jurídica são antropocêntricas, podendo ser analisadas na visão de bens da coletividade humana presente ou futura.

Jornal de Brasília

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