Seu navegador nao suporta javascript, mas isso nao afetara sua navegacao nesta pagina MPDFT - Tortada na cara

MPDFT

Menu
<

Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

O desencantamento do mundo traduziu a humanidade em nome da razão, ou seja, do esforço intelectual e prático de aproximação da realidade como ela é, não como se gostaria que fosse, sem vestígios de fantasia mais ou menos elaborada, de solipsismo. Esse processo produziu uma espécie de esquecimento – talvez ingratidão --, que se transformou num óbvio absconso e abstruso, num problema que não foi resolvido mas que também não incomoda. Em artigos futuros, darei exemplos disso, que estão em toda a parte, de churrascarias a anticoncepcionais.

Por enquanto, vamos dizer que, se você andar à noite, num beco escuro de uma parte perigosa da cidade, saberá do que temer: outros homens. Se estiver na segurança do quintal da sua casa, também no escuro da noite, sentirá que os perigos são outros. O barulho sinistro de uma ave desconhecida recapitula aquela vetusta mitificação da natureza, que nunca foi enterrada em definitivo, porque dificilmente a situação irá causar um mal real. Só de se aperceber que a ave desconhecida era um morcego trôpego e nojento já é um alívio.

Já o escuro perfeitamente confortável da sua cama, aberta a sessão do tribunal da consciência de um dia passado silenciosamente a limpo, intima terceiros que também farão assombrações. Digamos que o que o incomoda nesse momento seja a humilhação de ser sido vitimado por um assaltante. Mas esse sentimento pode ser ele próprio uma ilusão enviezada, fruto de uma exposição imprudente da qual você é o maior contribuinte, e que ipso facto transfere para o banco dos réus alguém cuja silhueta aos costumes nada teria a dizer. “Todos os nossos rancores provêm do fato de havermos ficado abaixo de nossas possibilidades” – avisa Cioran --, “sem ter conseguido alcançar a nós mesmos. E isso nunca o perdoaremos aos outros”.

Jornal de Brasília - 25/2/2013

.: voltar :.