Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
A chamada “causa segunda” da procriação humana é bem conhecida: espermatozoide atinge óvulo na trompa, e o fecunda. Ambos, juntos, e desde então inseparáveis, deslocam-se para o útero (nidação) e se instalam em sua parede (endométrio). Em condições normais de gestação, esse ser novo desenvolver-se-á por cerca de 40 semanas, quando estará em condições de sobreviver fora do corpo da mãe.
Mas para a “mentalidade primitiva” -- na expressão cristalizada pelo livro homônimo de Lucien Lévy-Bruhl --, essa explicação é desconhecida ou, ao menos, não faz sentido pleno. A essência mística, a das potências invisíveis, é a única aceita como verdadeiramente eficiente.
Por exemplo, se uma pessoa for devorada por um tigre, o motivo da morte não foi o choque hipovolêmico experimentado em razão do ataque. O animal foi apenas o instrumento acidental da pena fatal prolatada por um feiticeiro, por espíritos florestais, por um xamã inimigo (essas questões dependerão de observação). A vítima poderia teria morrido de outra maneira, por outro tigre, pela queda de uma árvore etc.
A saturação da natureza pelo sobrenatural deveria levar, pelas leis da lógica, à abolição dos domínios do leigo e do religioso como realidades heterogêneas. Mas às vezes falta não significa ausência, e sim recusa. Existe uma certa recusa em se admitir que as causas segundas sejam suficientes, posto que necessárias: “potência sagrada quer dizer ao mesmo tempo realidade, perenidade e eficácia” (M. Eliade).
Afinal, a explicação dada no primeiro parágrafo responde objetivamente a uma questão de fato. Mas não responde a outra, de outro tipo: exatamente por que isso ocorre? Nem todos os congressos carnais aperfeiçoados e exauridos geram gravidez. Por que alguns geram e outros não, ninguém sabe responder.
Jornal de Brasília - 4/3/2013