Em algumas disciplinas do saber, é pouco ou nada relevante se saber de detalhes da vida pessoal dos personagens, principais e secundários. Isso é claro nas ciências exatas. Já apontaram para aspectos negativos da personalidade de Einstein, como pai, marido etc. Mesmo que todas essas imputações sejam cem por cento verídicas, elas não abalam o conhecimento em si da física nem um fio de cabelo. Nem um fio de bigode.
Em um livro escrito para leigos (“Como vejo o mundo”), Einstein dá o exemplo fictício de um arqueólogo do futuro, que descobre um tratado de geometria de Euclides -- mas sem figuras. Diz que é possível reconstruir alguns conceitos e a cadeia de teoremas. Mas tudo não passará de um “jogo de palavras” enquanto não se puder imaginar alguma coisa com tais termos, pois só assim a geometria terá um “conteúdo real”. (p. 164). Esse esforço de imaginação se aplica outrossim à mecânica analítica e a todas as ciências lógico-dedutivas.
Pois bem. Como você recebe essas afirmações? Como as rebateria, se fosse fazê-lo? Relembrando que Einstein batia na mulher ou que era ausente para com os filhos? Que não pagava imposto de renda ou que suas condições de asseio pessoal eram duvidosas? É fácil separar a contribuição dele para o mundo da física e a sua condição de moralista, de frasista que seja. Talvez a revista Nova tenha mais a ensinar no campo das relações privadas do que Einstein. Nenhum problema nisso.
De um modo menos intenso, o raciocínio vale para a literatura ficcional. Por exemplo, são conhecidos vários eventos na trajetória de Raymond Chandler, como a sua paixão pela mulher, que era casada com um amigo seu, e quase 20 anos mais velha do que ele (o que só descobriu depois). Esse tipo de coisa foi muito importante para ele, mas não o é nem um pouco para mim.
Jornal de Brasília - 1/4/2013