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Leonardo Roscoe Bessa
Promotor de Justiça do MPDFT
 
 

Em 15 de março, comemora-se, mundialmente, o Dia do Consumidor. Neste dia, no ano de 1962, o Presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, dirigiu mensagem especial ao Congresso norte-americano, na qual conferiu ênfase à necessidade de proteção aos interesses do consumidor, destacando, entre outros pontos, a necessidade de segurança dos produtos, informação adequada, preços justos, participação do consumidor em decisões governamentais que afetem seus interesses.

Praticamente em todo o mundo, o Estado promove, por meio de normas e políticas públicas, a proteção e tutela do consumidor, considerando sua vulnerabilidade no mercado de consumo. Percebeu-se que, ao contrário do que propugnava a teoria econômica clássica, as reais necessidades do consumidor não foram nem são tão preponderantes para definição da estrutura e objetivos dos integrantes da cadeia de produção e comercialização de bens e serviços. “Hoje, os economistas reconhecem que a realidade primária, a ser levada em consideração, na análise do mercado, não são as necessidades individuais dos consumidores e sim o poder econômico dos organismos produtores, públicos ou privados.”1

No último dia 15 de março, a Presidenta Dilma Rousseff, acompanhada das mais altas autoridades do Poder Legislativo e Executivo, lançou, no Palácio do Planalto, em bonita solenidade, o Plano Nacional de Consumo e Cidadania (PLANDEC), representado, normativamente, por vários atos, com destaque para o Decreto n. 7.963/13.

Até então, a história do Brasil não registrara um dia com tamanha atenção das autoridades políticas ao Direito do Consumidor. Não há dúvida de que se trata de momento histórico da mais alta relevância e que, com certeza, trará repercussões positivas ao mercado de consumo.

O art 1º do Decreto 7.963 institui o PLANDEC “com a finalidade de promover a proteção e defesa do consumidor em todo o território nacional, por meio da integração e articulação de políticas, programas e ações.” Mais à frente, a par de ressaltar a necessidade de fortalecimento do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, institui-se o Conselho de Ministros da Câmara Nacional das Relações de Consumo, o qual é integrado pelo Ministro de Estado da Justiça, Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República, Ministro de Estado da Fazenda, Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão.

O artigo 16 do Decreto estabelece que ”O Conselho de Ministros da Câmara Nacional das Relações de Consumo elaborará proposta de regulamentação do § 3o do art. 18 da Lei no 8.078, de 1990, para especificar produtos de consumo considerados essenciais e dispor sobre procedimentos para uso imediato das alternativas previstas no § 1º do art. 18 da referida Lei, no prazo de trinta dias da data de publicação deste Decreto.”

Simplificando, significa estabelecer uma lista de produtos que, pela sua importância, devem, em caso de vicio (defeito) no prazo de garantia legal, ser imediatamente trocado por outro ou, se o consumidor preferir, receber seu dinheiro de volta.

O Código de Defesa do Consumidor estabelece que, no prazo de 90 dias, se o produto adquirido apresentar vício quando à adequada funcionalidade, o consumidor pode escolher entre três alternativas: 1) devolução do dinheiro; 2) Troca do produto por outro da mesma espécie; 3) abatimento proporcional do preço (hipótese praticamente não utilizada). Todavia, o parágrafo § 1.º do art. 18 estipula que, antes da escolha de uma das três alternativas, o fornecedor possui prazo de 30 dias para sanar o vício.

É evidente que se trata de disposição, no mínimo, estranha, vez que incongruente em relação à própria concepção protetiva do CDC. A crítica doutrinária ao dispositivo foi incisiva, propondo, em consequência, interpretação absolutamente restritiva à aplicação do prazo de 30 dias para conserto.

Cabe destacar que o próprio Código prevê, no § 3.º do art. 18, situações nas quais o prazo de 30 dias deve ser afastado, ao dispor que o consumidor poderá fazer uso imediato das três alternativas troca, devolução do dinheiro ou abatimento proporcional do preço) quando se tratar de “produto essencial”.

Afinal, o que seria produto essencial para os fins normativos já indicados? É exatamente o que se pretende definir, com base no art. 16 do Decreto 7.963/13, evitando insegurança jurídica e conferindo maior eficácia a legítimos interesses materiais e morais do consumidor.

A compreensão de bem essencial não deve se basear em interpretação literal ou mesmo em definição de dicionário. Em perspectiva hermenêutica, deve-se conferir relevo a aspecto funcional e teleológico. Qual é, afinal, o objetivo da norma em determinar troca imediata do bem ou devolução do dinheiro sem o prazo de 30 dias para conserto? Evitar frustração, danos morais e materiais ao consumidor que, invariavelmente, adquire um bem novo justamente para evitar aborrecimentos inerentes à falta de qualidade funcional de produtos.

Nessa linha, produto essencial é aquele que possui importância para as atividades cotidianas do consumidor, como a geladeira, o carro, o computador, entre outros. Ora, para ficar no último exemplo, não é razoável exigir que o consumidor deixe seu novo computador pessoal para conserto pelo prazo de 30 dias, quando o bem é fundamental para desenvolver atividades acadêmicas, acessar a internet, ver e. mails etc.

A discussão sobre os produtos que irão integrar a lista indicada (Decreto7.963/13, art. 16) será animada e permeada de divergências. É certo, entretanto, que o primeiro produto deve ser o aparelho celular, pelas seguintes razões: 1) a telefonia móvel acabou, em termos práticos, ocupando a essencialidade do serviço da telefonia fixa, como apontam os números e estatísticas; 2) Em que pesem as deficiências notórias da qualidade do serviço de telefonia móvel, a grande maioria de seus usuários são totalmente dependentes do celular para inúmeras atividades do dia-a-dia; 3) Não é nada razoável, nem legítimo, nem justo, retirar a posse do consumidor de seu aparelho novo pelo prazo de 30 dias para conserto; 4) O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, antes de integrar a atual Secretaria de Consumo (Senacon), expediu a Nota Técnica n. 62/2010 considerando justamente que o aparelho celular é produto essencial ao consumidor.

A sociedade, dezenas de milhões de consumidores, usuários e dependentes do serviço da telefonia móvel, aguardam esta importante primeira medida do Conselho de Ministros da Câmara Nacional das Relações de Consumo, com a justa expectativa de dias melhores em relação às deficiências da telefonia móvel no Brasil.

1 Fábio Konder Comparato, A proteção do consumidor: importante capítulo do direito econômico, Revista Forense, v. 255, ano 72, p. 19.

Correio Braziliense - 8/4/2013

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