Newton Cezar Valcarenghi Teixeira
Promotor de Justiça do MPDFT
Se você tivesse uma empresa, contrataria para administrá-la alguém condenado por furto, corrupção, formação de quadrilha ou improbidade administrativa, ainda que a decisão estivesse pendente de recurso? A lógica deixa antever que a resposta ao questionamento é NÃO. A exceção fica por conta das almas generosas que acreditam que todos merecem uma segunda chance, ou dos desavisados que não se deram ao trabalho de pesquisar a vida pregressa do candidato.
Também defendo uma nova oportunidade aos que erraram. No entanto, quando se trata da coisa pública, há que se apreciar a questão sob outra perspectiva. Tal qual a mulher de César, não basta que o político seja honesto, ele deve aparentar ser honesto. Neste particular, o interesse individual, inevitavelmente, tem que ceder ao interesse público.
Avizinham-se as eleições para prefeito e vereador no País. Assume relevo a discussão acerca da possibilidade dos maus antecedentes dos candidatos serem aferidos para impugnação da candidatura, mesmo à míngua de sentença condenatória transitada em julgado.
Os defensores dessa tese entendem que o § 9º do art. 14 da Constituição Federal-CF é auto-aplicável. A regra em comento dispõe que "Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta".
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), chamado a se pronunciar sobre o tema, entendeu que o dispositivo em questão não é auto-aplicável (Resolução TSE 22.842, de 10/06/08). A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) levou a questão até o Supremo Tribunal Federal (ADPF 144). O STF manteve a interpretação dada pelo TSE. Logo, candidatos condenados em primeira instância por crimes contra a administração pública e improbidade administrativa podem concorrer ao pleito.
É lamentável que o TSE e o STF assim tenham decidido. O preceito em comento foi inserido na Constituição pela Emenda Constitucional de Revisão nº 04/94, quando já em vigor uma Lei Complementar de Inelegibilidades – LC 64/90, norma esta que silenciava sobre a vida pregressa do candidato. Ora, o legislador, ao dar nova redação ao § 9º do art. 14 da CF, deixou assente que a lei complementar irá dispor sobre outros casos de inelegibilidade, mas previu, desde logo, que o passado do candidato deve ser apreciado. Na pior das hipóteses, a suposta divergência poderia ter sido interpretada de modo a emprestar maior eficácia e aplicabilidade aos preceitos constitucionais, notadamente o princípio da moralidade administrativa.
No âmbito da administração pública, havendo conflito entre a presunção de inocência e a moralidade administrativa, ambos de estatura constitucional, esta deve preferir aquela. A propósito da presunção de inocência, panacéia para a cura de todos os males e antídoto contra a “sanha” moralizadora de alguns setores do Judiciário e do Ministério Público, vale frisar que se refere apenas às sanções previstas pelo ordenamento penal art. 5º, LVII, da CF – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença “penal” condenatória. Logo, o argumento não pode ser invocado no campo eleitoral.
Parlamentares honestos tendem a elaborar leis justas e equilibradas. Administradores probos melhor atendem à população. Ao revés, políticos inescrupulosos não diferenciam o público do privado. No Japão, a simples suspeita de corrupção leva os investigados, não raro, ao suicídio, tamanho o desgosto de serem apontados como criminosos. Tenho comigo que, por estas plagas, deve demorar muito para que um político estoure os seus miolos, envergonhado por ter espoliado os cofres públicos. Até lá, ajudaria muito impedir ou dificultar que chegassem ao poder. A saúde, a segurança, a educação e as pessoas de bem ficariam gratas.
Jornal de Brasília