Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Dizem que foi o Conde d´Orsay, um janota francês radicado em Londres, quem, pelos idos de 1840 ou 1850, inventou o sobretudo. Essa versão talvez seja fictícia, ou exagerada, em razão da conveniência de se atribuir tal marca de elegância à finesse – ao que parece ele era mutatis mutandis um Dorian Gray nobre -, e não à exigência banal de se proteger o corpo de um dia de frio e chuva nos prados da Inglaterra.
Faz frio e chuva nos prados da Inglaterra há muito mais tempo do que meados do século 19. No entanto, o sobretudo, como se conhece na atualidade, é peça do vestuário masculino facilmente encontrada nas lojas e ruas espalhadas por todo o hemisfério norte.
Isso mostra que o uso, que é uma coisa velha por definição, pode ter nascido de uma criação pessoal identificável, e esta, por sua vez, surgiu de usos mais primitivos que poderiam ser melhorados ou descartados. Mischa Titiev falava de padrões de cultura “lógicos”, “não lógicos” e “ilógicos”.
O exato tom de cor dos primeiros sobretudos é ignorado, e até hoje, dependendo da espessura do tecido, pode ser considerado como “não lógico”. Mas o sujeito sair de sobretudo de lã em uma temperatura de 30ºC será tido como louco ou preso como tarado.
A lógica diz respeito à concordância do padrão cultural com os ditames da biologia. Vejam o chapéu, que foi praticamente abolido. Ele é “lógico” por proteger a cabeça do sol e da chuva (nesse sentido, “ilógico” em ambientes fechados), e também se presta como instrumento de interação social.
O chapéu era peça valiosa no cumprimentar das pessoas, de maneira moderada, tocando-se-lhe a aba, ou mais efusiva, retirando-se-lhe. Vigoravam então regras sutis cuja quebra poderia trazer consequências morais e jurídicas. Com a revogação paulatina do chapéu, tudo teve de ter reciclado.
Jornal de Brasília - 12/8/2013