Seu navegador nao suporta javascript, mas isso nao afetara sua navegacao nesta pagina MPDFT - De vítima a infrator e de infrator a vítima

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Nino Franco
Gláuber José da Silva
Márcio Costa de Almeida
Promotores de Justiça do MPDFT


No centro de Brasília, junto à rodoviária, mais um adolescente mergulha no inferno do vício em crack. No passado, tratavam-no por Joãozinho, mas seu nome agora talvez seja Thiaguinho, com “th”, porém, isso pouco importa, pois ele não sabe ler nem escrever. É um anônimo, mas não é e nunca foi de fato perigoso – e também não usa arma de fogo, embora até gostasse de possuir uma para trocá-la por droga. Sabe, entretanto, do temor que provoca no transeunte e usa tal circunstância para conseguir alguns trocados que logo usa para comprar crack. Precisa de ajuda.

O padrão para esse fenômeno não é desconhecido: conflitos familiares ou dramas pessoais severos o levam a fugir de casa e ir para as ruas, ingressando no mundo das drogas. A solução para o caso passa pela inclusão em programas de desintoxicação e de erradicação do trabalho prematuro, a resolução de conflitos no âmbito doméstico, o fortalecimento dos laços familiares e o ingresso ou a retomada da escola.

A diferenciação entre essa adolescência desprotegida e uma outra adolescência, que reitera na prática de infrações, ocorreu na Europa do século XX e envolveu, a par da diferenciação no diagnóstico (se infracional ou não), a especialização das medidas, de forma a fazer cessar o encaminhamento de jovens à vala comum de verdadeiros depósitos humanos, fonte de barbáries.

No Brasil de hoje, adolescentes infratores tornam-se a cada dia mais insensíveis e cruéis, como que competindo por ser o mais violento. Também esse fenômeno obedece a um padrão, que, nesse caso, envolve alguns traços pessoais, ausência de limites em casa ou perda de autoridade pelos pais (em parte por desestrutura familiar ou superproteção), o desinteresse pela escola e o envolvimento com más companhias, quando passa a consumir drogas e desenvolve o gosto pela transgressão e pelo ganho fácil.

Visto com mais detalhes em sua dinâmica interna, esse padrão revela um adolescente que deseja o tênis de marca, roupas da moda, dinheiro para gastar em festas em que há consumo de álcool e drogas e que tomou gosto pela sensação de aventura e poder decorrente de um estilo de vida transgressor (a “adrenalina”), que envolve a participação em grupos e o manuseio de armas diversas (revólveres, punhais e apetrechos de artes marciais – ou os próprios punhos). Com os grupos, surgem os pactos de proteção mútua (alguns até a morte), as brigas para subjugar rivais, os assaltos que fornecem dinheiro fácil, a pretensa respeitabilidade sugerida pela audácia, pela força e pela crueldade e as garotas – algumas delas atraídas por esse estilo de vida e pela oferta de baforadas de maconha.

Estratégias de gestão de riscos envolvendo o controle do consumo de álcool e drogas e programas dedicados constituem bons instrumentos para reduzir o contato de adolescentes com o ambiente infracional, e, juntos com outros, focados na resolução de conflitos, produzem resultados até um certo ponto, mas não são em si capazes de resolver o problema da delinquência juvenil - em especial, quando gangues são, na verdade, quadrilhas.

Para tanto, é necessária uma legislação desencorajadora adequada e, por isso, a sociedade quer, legitimamente, a redução da maioridade penal, conquanto tal pretensão tenha opositores, que a veem como violadora de direitos.

Sob essa ótica, o cidadão seria um insensível, a ponto de cobrarem-lhe que tolere a subtração do bolso, da integridade, da família e da vida, tudo ao argumento de que o violador supostamente não teria tido garantidos alguns direitos, do que se culpa a sociedade, a mesma que sofre com sua ação.

Há evidentemente, aqui, um erro de alvo e um equívoco de conceitos, pois que se revitimiza o cidadão, ao mesmo tempo em que se mistura a noção de adolescente vitima e adolescente infrator, ignorando-se os avanços da Europa e tomando-se o rumo de volta à barbárie. Como efeito colateral, aprofunda-se o caso insólito de descasamento entre uma sociedade e sua legislação. Por isso, mudar o enfoque parece fazer parte do processo indispensável de reconciliação, aí incluído o rebaixamento da maioridade penal.

Da rodoviária, Thiaguinho avista o Congresso Nacional, mas não vê ali a sociedade, que tal como ele está cansada, embora ainda lute para que aquela Casa não lhe dê as costas. Mas ele conhece bem a história da longa fila dos Joãozinhos que o antecederam. Por isso, não quer mais ser tratado como bandeira, pois aguarda ansiosamente o dia em que, com a sociedade já reconciliada, possa finalmente, ao erguer a cabeça, ver diante dos olhos não os grandes letreiros luminosos do centro da cidade, mas uma singela placa com um brilho todo próprio: Escola.

Correio Braziliense - 13/8/2013

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