Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Uma comparação que se costuma fazer com o conjunto de evidências de um crime – reconstituição do passado que coleciona elementos materiais e outros puramente mentais – é o do quebra-cabeças. Mas deixa eu explicar uma coisa.
Todo processo judicial trabalha com o princípio da dúvida. A atividade forense reconhece que não vai atingir a totalidade da verdade, e contenta-se com menos. Até o processo criminal, que é mais exigente do que o civil, assume que certezas e incertezas vão estar lado a lado – se não sobrepostas ou imbricadas – a título de partes do metafórico jogo de quebra-cabeças.
A dúvida gera duas grandes preocupações: quanto e quando. O “quando” varia de acordo com o momento procedimental. Na formalização da acusação, a dúvida milita contra o réu, ou seja, a favor do povo. Ao encerramento do processo e por ocasião da decisão judicial, a dúvida, se persistir, passa a funcionar com sinal invertido. Em latim, os polos se chamam in dubio pro societate e in dubio pro reo, respectivamente.
O “quanto” é impossível de se precisar. Não existe uma fórmula matemática, uma equação. O que há é um grau de certeza suficiente, o que naturalmente é subjetivo. A condenação é cabível quando se ultrapassa o limite da dúvida razoável, não o do convencimento absoluto. Talvez uns 50% ou 60% de convicção já bastem.
Portanto, o quebra-cabeça não é um, mas vários. As apurações investigativas montam o seu. A acusação – que muitas vezes não coincide com as conclusões do inquérito – também monta o seu, descartando algumas peças e encaixando outras. Com o advogado é a mesma coisa. Por sua vez, o juiz vai dar razão a um dos lados, mas não é obrigado a aceitar como pronto nenhum dos quebra-cabeças que lhe apresentarem. Ele tem a liberdade de montar o seu próprio.
Jornal de Brasília - 19/8/2013