Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
É comum se ouvir, à guisa de elogio, que “fulano é ético”. Essa expressão, a rigor, não faz sentido nenhum. É o mesmo que dizer: “fulano segue a lei”. Que lei? Existem muitas leis totalmente diferentes entre si, e o mesmo se pode dizer das éticas.
Bem sei que chamar alguém de “ético” quer dizer que se é decente, honrado, trabalhador. Mas todos esses adjetivos intuem o contexto em que se encontram. Vamos comparar as éticas cristã e nazista. Para um nazista exemplarmente probo, os valores do cristianismo – caridade, perdão, acolhimento dos necessitados – são coisas desprezíveis, são sinal de fraqueza. Para o nazismo, o correto era o contrário: pessoas inferiores conspurcavam a pureza da raça humana – a raça deles, decerto, a ariana – e mereciam ser eliminadas da face da Terra. Os campos de concentração foram uma técnica e um símbolo de que compaixão e simpatia aos párias tornam má uma pessoa.
Elementos nada significam de maneira isolada, e se entrecruzam por acaso quando os sistemas – éticas são sistemas, ainda que não totalmente fechados e exclusivos - não são depurados. A lei da cadeia é também uma ética com regras fixas, aliás muito mais rígidas do que as do lado oficial do direito. Ninguém tolera o estupro; dentro e fora da cadeia tal crime é repudiado. Mas, fora, existe processo com garantias, advogado, embargos etc. Na prisão, o violador é sumariamente condenado e punido, e estigmatizado sem prescrição.
Mesmo o trabalho não é um valor em si. Hoje as pessoas não disfarçam orgulho ao falar que não têm tempo para nada, que a vida é uma correria só, um sufoco, que gostariam de se dedicar mais à família ou a pequenos hobbies, e não conseguem. Mas filósofos gregos não trabalhavam. No Brasil, os índios começaram a morrer quando foram colocados para trabalhar.
Jornal de Brasília - 21/10/2013