Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Vamos supor que você fique sabendo que seu vizinho, um homem perfeitamente respeitável, cavalheiro, trabalhador, pai de família exemplar, foi preso por crimes inimagináveis, como manter alguém trancafiado em seu porão por anos a fio.
O primeiro contato com essa informação é emocional. Você toma um choque, e passa a administrar a própria reação, numa espécie de dialética consigo mesmo. Será possível? Como pode? Eu sabia! Depois você cobra mais elementos, de natureza intelectual (em filosofia, isso se chama “epistemologia”): tem certeza? Você viu? Quem te falou? O que mais você sabe? Essa especulação busca transformar a informação em algo mais sólido, em um “fato” digno de ser passado adiante, sem a ressalva do “parece”, “ouvi dizer”, “dizem por aí”. O fracasso nesse processo não ultrapassa o limite territorial do boato, que é o habitat natural dos levianos e fofoqueiros.
O nível de profundidade do conhecimento depende do grau de interesse individual. Ou seja, o mental se subordina ao emocional. Se a mesmíssima história não se passa na sua rua – a poucos metros de onde você mora, com gente que você conhece --, e sim em alguma cidade no interior da Áustria, o envolvimento é bem mais morno. As pessoas são quase abstratas, a distância é grande demais, o volume de detalhes não precisa ser muito específico e nem mesmo muito confiável.
O emocional nada mais é do que uma abertura para o mundo. Nós temos emoções simplesmente porque precisamos tomar decisões diante de tudo o que a vida nos apresenta, desde as banalidades do dia-a-dia até coisas que abalam as estruturas. Uma abertura muito grande leva a uma credulidade excessiva, e uma abertura muito estreita conduz a um ceticismo exagerado. Querer acreditar ou descartar alguma coisa são atitudes sentimentais.
Jornal de Brasília - 28/10/2013